quarta-feira, 17 de novembro de 2021


17 DE NOVEMBRO DE 2021
DAVID COIMBRA

Como se fala menino em Portugal

Pais e educadores portugueses estão preocupados porque as crianças de Portugal estão falando o "português brasileiro". Isso está acontecendo sobretudo por causa dos youtubers brasileiros, que fazem enorme sucesso entre os meninos e as meninas da pátria-mãe, principalmente Luccas Neto, o irmão de Felipe Neto.

Li matérias em que os pais estão desesperados porque as crianças não conseguem mais falar o "r" e o "i" de Portugal. Uma das mães disse o seguinte sobre seu filho:

- Todo o discurso dele é como se fosse brasileiro. Chegamos ao ponto de nos perguntarem se algum de nós era brasileiro, eu ou o pai. Neste momento estamos num processo de tratamento como se fosse um vício. Explicamos tudo, que ele não podia ver porque isto só o prejudica. E já notamos que está muito melhor. O que tentamos fazer agora é brincar mais com ele, bloqueamos alguns conteúdos. Deixamos apenas a Netflix e tudo o que é em português de Portugal.

"Como se fosse um vício", veja só.

De acordo com os aflitos jornais lusitanos, as crianças entram nos armazéns e pedem "balas", o que, para os portugueses, são projéteis de armas de fogo. Uma balinha eles chamam de um "rebuçado". Eu aqui não gosto de rebuçado. Parece algo até meio pornográfico.

Outro jornal reclamou que as crianças agora dizem "grama em vez de relva, autocarro é ônibus, riscas são listras e leite está na geladeira em vez de no frigorífico". Tudo bem, concordo que relva é mais poético do que grama, mas frigorífico no lugar de geladeira é muito ruim. Um frigorífico é a empresa que congela carnes, certo?

Francamente, os portugueses estão exagerando. Concordo com um leitor que comentou: "Grande coisa, as crianças aqui no Brasil só falam português e ninguém reclama". Porque a língua é um organismo com existência própria e independente. Ela muda de dentro para fora e de baixo para cima. Não adianta alguém tentar impor uma regra, como os militantes pretendem com a tola linguagem neutra. As pessoas falam da forma que for mais fácil e sonora para elas. Pelo raciocínio torto da linguagem neutra, o português exigiria que houvesse gremistas e gremistos, e não é assim. Está bem dizer "os gremistas", como está bem dizer "as pessoas". E ninguém vai falar "alunes". Só o Mussum falava desse jeito.

Os portugueses deviam compreender que a última e bela flor do Lácio, ao ser "abrasileirada", só ganha. E que nós também podemos nos espantar com a maneira como eles falam. Pergunte a um português como é chamado um "menino" no além-mar. Darei uma pista prudente, tentando não ferir suscetibilidades puritanas: é uma palavra de quatro letras que começa com "p" e termina com "o" e que, no Brasil, é um sinônimo chulo para homossexual masculino.

Entendeu? Pois bem, uma vez, o meu amigo Ivan Pinheiro Machado foi a Lisboa com seu filho Antônio. Chegando a uma loja de departamentos, ele informou à vendedora:

- Eu queria comprar uma roupa para o meu p... aqui.

O Antônio arregalou os olhos. O que era aquilo? Antes que ele pudesse protestar, a moça disse, com naturalidade:

- Ah, a seção dos p...s fica no segundo andar.

O Ivan bateu gentilmente nas costas do filho:

- Vamos lá, então, meu p...

O menino só relaxou depois que o Ivan lhe explicou as nuances da língua portuguesa. Mas pediu, um pouco preocupado:

- Não fala mais comigo assim, tá, pai?

Agora, quem garante que essa palavra não pode ganhar tal acepção no Brasil? Claro que pode. A língua é viva, e quem é vivo está sempre mudando.

DAVID COIMBRA

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