02 de setembro de 2014 | N° 17910
LUIZ PAULO VASCONCELLOS
SEMPRE SHAKESPEARE
Já vinha querendo há algum tempo escrever sobre os 450 anos
de nascimento de Shakespeare quando fiquei sabendo da vinda a Porto Alegre,
durante o Em Cena, da montagem de Sonho de uma Noite de Verão, produção do
Actor’s Gang, da Califórnia, com direção de Tim Robbins. Este é o momento,
concluí – afinal, falar de Shakespeare é sempre falar de um sonho, e se o sonho
for numa noite de verão, sem dúvida estamos falando de Shakespeare.
Comédia lírica e fantasiosa, misto de romance, mitologia e
poesia popular, Sonho de uma Noite de Verão fala de sonhos e paixões, truques e
magias, caprichos e descaminhos do amor, com todos os tropeços e desassossegos
pelos quais passamos para chegar a um amor harmônico e permanente.
Na peça, Helena ama Demétrio que ama Hérmia que ama
Lisandro. Tudo isso no dia do casamento de Teseu, Duque de Atenas, com
Hipólita, a Rainha das Amazonas. Tudo isso na floresta em que Oberon cobiça o
garoto adotado por Titânia que, por sua vez, cobiça fazer amor com um asno.
Todos eles devidamente cercados por fadas, elfos e duendes,
agindo sob o efeito de poções mágicas que aceleram as trapalhadas eróticas,
fazendo as pessoas se apaixonarem pela primeira criatura que veem quando
acordam. Para culminar, em celebração ao casamento de Teseu e Hipólita, atores
amadores ensaiam uma tragédia cujo enredo versa sobre um casamento impossível.
Este é o sonho de uma noite de verão com Eros e Tanatos brincando solidários de
cabra cega.
Sonho de uma Noite de Verão é, possivelmente, a melhor peça
de Shakespeare. Pelo menos é assim que Harold Bloom se refere a ela no seu
conceituado livro Shakespeare – A Invenção do Humano. Considerando que Bloom é
um dos mais respeitáveis críticos da obra do Bardo, devemos pelo menos
registrar a hipótese. Por outro lado, um clássico só permanece um clássico se
suas ideias correspondem às ansiedades da época em que está sendo representada.
No caso do Sonho..., a afirmação é possível.
Contudo, um terceiro elemento deve entrar necessariamente em
campo para que a obra transponha os limites do livro e aconteça plenamente no
palco: a presença de um encenador que invente uma linguagem cênica que explore
a grandeza da obra literária. Nós, agora, temos Tim Robbins, premiado como melhor
ator no Festival de Cannes em 1992 e como melhor ator coadjuvante no Oscar em
2004. Esperamos ansiosos que tudo dê certo.