segunda-feira, 8 de julho de 2024


08 DE JULHO DE 2024
CLÁUDIA LAITANO

A cor da confusão

O número de livros proscritos de bibliotecas americanas deu um salto no primeiro semestre do último ano letivo. De julho a dezembro de 2023, mais de 4 mil livros foram retirados de escolas de 23 Estados, ultrapassando a quantidade de publicações banidas durante todo o ano anterior. Pelo jeito, o "index prohibitorum" quer transformar os Estados Unidos no país de um livro só: a Bíblia.

No Brasil, o esforço para esvaziar bibliotecas costuma esbarrar na falta de bibliotecas para esvaziar. Ainda assim, sempre aparece um apedeuta mais preocupado com o que as crianças estão lendo do que com o que elas estão deixando de ler. Nem sempre cola. Nas duas batalhas mais comentadas dos últimos meses, venceu o bom senso. 

Em março, escolas do Rio Grande do Sul, do Paraná e de Goiás tentaram impedir que os alunos tivessem acesso ao romance O Avesso da Pele, do escritor Jeferson Tenório. Em abril, as secretarias de Educação dos três Estados acabaram com a palhaçada - e as vendas do livro, como era de se esperar, dispararam. Em meados de junho, foi a vez de uma cidade mineira tentar tirar O Menino Marrom, do Ziraldo, do conjunto de livros oferecido aos alunos da rede municipal. Uma semana depois, a Justiça de Minas Gerais determinou que o livro voltasse imediatamente às escolas. A liberdade é flicts.

Não parece coincidência que os dois livros discutam o tema do racismo. Há um jogo de espelhos entre as estratégias da extrema-direita americana e os movimentos da extrema-direita brasileira. Nos EUA, os títulos mais visados são exatamente os que tratam de experiências LGBTQIA+ e de questões raciais. O curioso é que tanto no caso de O Avesso da Pele quanto no de O Menino Marrom houve um esforço, bem brasileiro, para fazer de conta que racismo não tinha nada a ver com o assunto. Porque no Brasil, claro, racismo não existe.

Em março, mais ou menos na mesma época em que dava entrevistas para veículos de todo o Brasil sobre a censura a O Avesso da Pele, Jeferson Tenório recebeu a visita de um fotógrafo do New York Times. Ia sair uma reportagem no jornal sobre The Dark Side of Skin, versão em inglês do romance - já traduzido também para italiano, francês, sueco e mandarim. Tenório sugeriu a Redenção para as fotos ao ar livre que o fotógrafo queria. Ali, no coração de Porto Alegre, acompanhado de um homem branco que não foi incomodado, o escritor foi abordado pela Brigada Militar, que o confundiu com um traficante. A décima-sexta confusão desse tipo nos seus 47 anos. Mas racismo, claro, não tem nada a ver com o assunto.

CLÁUDIA LAITANO

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