terça-feira, 17 de fevereiro de 2015


17 de fevereiro de 2015 | N° 18076
DAVID COIMBRA

O Carnaval de Arnaldo – epílogo

Arnaldo ficou imóvel no meio da sala, como se fosse um zagueiro do Brasil jogando contra a Alemanha. O coração parecia querer-lhe sair do peito e os olhos das órbitas. Ora ele olhava para as longas e douradas e provavelmente macias pernas de Charlotte bem ali na sua frente, ora olhava para a porta da rua. Havia alguém do outro lado, tinha certeza.

Ele sempre sabia quando havia alguém no corredor, conhecia todos os ruídos do seu andar e, sim, sim, inequivocamente alguém saíra do elevador, caminhara pelo corredor e agora estava parado sobre o seu capacho, diante da sua porta, talvez ouvindo, talvez à espreita, sabe-se lá com que intenções malévolas.

Então, a campainha soou. Jesus amado!

Quem poderia ser? Arnaldo estava praticamente sozinho na cidade. Todos os seus amigos tinham emigrado para algum ponto da orla, só ele ficara na canícula da Capital, porque ele não ia à praia, ele detestava a praia com toda aquela areia que grudava e a água que melecava. Além disso, Arnaldos não ficam bem de calção. Assim, nenhuma mão amiga premeria o botão da sua campainha naquele dia. Mas uma mão estava pressionando o botão agora mesmo, de novo, naquele instante. Quem podia ser?

– Não vai abrir? – perguntou Charlotte, passando a mão nos cabelos negros.

Ele fez que sim com a cabeça. Ia abrir.

Abriu. Viu. E ganiu: – Meu padrinho Padre Reus! Era Firmino.

Firmino, o guarda-costas, o cangaceiro, o quebrador de braços, estava parado a um metro dele, de pernas bem abertas e as mãos de ferro ao longo do corpo.

– Quero falar com Dona Charlotte – disse, num tom que era uma ordem.

Arnaldo abriu a boca, mas não falou nada. Pensou que o melhor seria mentir. Já ia mentir, dizer que ela não estava, e o homem repetiu:

– Quero falar com Dona Charlotte.

Agora ele havia sido bem enfático, até um pouco hostil. Provavelmente o mais saudável fosse não mentir. Arnaldo já estava decidido a falar a verdade, mas nem para isso teve tempo. Charlotte, vinda detrás, afastou-o gentilmente com o braço e perguntou:

– Qual o problema, Firmino? A postura de Firmino tornou-se mais relaxada: – O chefe ligou. A senhora pediu pra eu avisar... O chefe ligou... – O que você disse? – Que a senhora estava na massagem.

– Muito bom, Firmino – ela lhe desferiu um sorriso e acertou em cheio: Arnaldo achou ter visto Firmino corar. – Me espera no carro, que em uma hora devo estar pronta aqui. Está bem? – novo sorriso, e agora Firmino quase sorriu também.

– Sim, senhora. Firmino se foi. Aquele rápido diálogo deixou Arnaldo pensativo: será que Charlotte e Firmino... Não podia ser... Mas é que...

– Vem, Arnaldo – era ela, chamando outra vez. Havia voltado ao sofá, onde se empoleirara como uma gueparda. – Vem... – repetiu. Ele foi.

Charlotte dissera a Firmino que desceria em uma hora. Dez minutos antes disso, ela já estava de novo arrumada e composta, pronta para se despedir. Arnaldo não conseguia parar de sorrir. Era muita sorte. Mas ele tinha uma dúvida. Tinha de perguntar. Perguntou:

– Por que eu? Ela ajeitou o cabelo e suspirou, alisando uma dobra do vestido:

– Por três motivos... Atravessou a sala. Parou em cima da borda do tapete.

– Primeiro: tenho que admitir que gosto do jeito que você me olha na firma. Gosto do seu desejo por mim.

Arnaldo sorriu. – Segundo: não tem mais ninguém na cidade. Arnaldo parou de sorrir. Ela agora já estava à porta, com a mão na maçaneta.

– E terceiro – abriu a porta. Enquadrou o corpo para sair. – Terceiro é a notícia ruim que eu tinha para dar.

Arnaldo deu um tapa na testa. – A notícia ruim! Meu Deus... Qual... qual é?

– O chefe vai demitir você quando terminar o Carnaval.


E saiu, deixando Arnaldo boquiaberto no sofá, pensando que coisas excitantes e inesperadas, afinal, podem acontecer com Arnaldos.