segunda-feira, 17 de outubro de 2022


17 DE OUTUBRO DE 2022
CAPA

A arte de persistir

Teatro de Arena comemora hoje 55 anos de uma história que se conecta com a vida cultural da cidade. Programação especial começa às 19h

Palco não apenas de arte, mas de resistência, o Teatro de Arena, tradicional espaço cultural nos altos do Viaduto Otávio Rocha, sobrevive há mais de cinco décadas - que incluem a ditadura, um longo período de fechamento e a pandemia. Com o passar do tempo, consolidou-se como um local de liberdade e de pesquisa, propício à experimentação e ao debate artístico. O centro, construído pelos próprios artistas, preparou uma programação especial hoje para comemorar os 55 anos de existência e 31 anos de reabertura.

A largada, às 19h, ficará por conta do duo de dança dos bailarinos e sapateadores Léo Dias e Gabriella Castro. Em seguida, será exibido um vídeo com homenagens a atores que passaram pelo centro cultural e que partiram no ano de 2021: Mauro Soares, Marlise Saueressig e Sirmar Antunes.

A celebração se encerra com Ay Mi Amor, um espetáculo pautado por canções latinas que contam a história do excêntrico casal de personagens de origem espanhola La Negra y El Blanco Nieves. A obra já esteve em cartaz no Teatro de Arena em 2020, dentro da programação do Porto Verão Alegre, e foi sucesso de público.

Sobre os mais de 50 anos de existência, a diretora do teatro, Gabriela Munhoz, salienta:

- Costumo dizer que ele tem vida própria, no sentido da luta e da resistência. O Teatro de Arena me parece imortal. Os artistas continuam querendo estar aqui.

A história do Arena remonta à própria ditadura, quando atores do Grupo de Teatro Independente (que, posteriormente, viraria Teatro de Arena de Porto Alegre - Tapa), que disputavam datas nos raros espaços de Porto Alegre, idealizaram um lugar próprio. A construção teve início em dezembro de 1966. O local foi inspirado sobretudo no teatro homônimo localizado em São Paulo - o nome remete ao formato, em U. A descoberta do velho porão foi feita pelo artista Jairo de Andrade. Com dedicação, o teatro foi construído pelos próprios atores, utilizando picaretas e cimento. Nascia, em 17 de outubro de 1967, um dos espaços mais importantes para a cultura e a história do Estado.

Com coragem e determinação, os artistas buscaram enfrentar o cerceamento da liberdade de expressão, apresentando espetáculos questionadores, com peças de autores como Plínio Marcos, Oduvaldo Vianna Filho, Consuelo de Castro, Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri. Para burlar a rigidez de pensamento, utilizavam diferentes artifícios. Mesmo assim, inevitavelmente sofreram repressão, ameaças, violência e censura.

- O teatro foi um espaço importante no sentido de que não tinha teatros, espaços públicos que a gente tem hoje. Não tinha a Casa de Cultura Mario Quintana, o Theatro São Pedro estava aos pedaços, então ficávamos restritos a poucos lugares - avalia Antônio Hohlfeldt, presidente da Fundação Theatro São Pedro e jornalista cultural, destacando que a história do teatro é, de certa maneira, um pouco da história de como a cultura se desenvolve na Capital.

O Arena funcionava ainda sediando reuniões políticas de estudantes e sindicalistas, e desenvolvia atividades para além dos espetáculos, como debates e leituras dramáticas de autores cujos textos eram proibidos de serem encenados. Em dado momento, chegou até mesmo a ter uma revista.

Retorno

O teatro resistiu até 1979. Contudo, com o surgimento de novos espaços culturais e alternativas de espetáculos, não conseguiu competir e sucumbiu aos problemas financeiros. Assim, fechou as portas na Borges de Medeiros, 835. Ele permaneceria em silêncio por 12 anos, até ser adquirido pela Secretaria de Estado da Cultura.

Mas a cidade não conseguiu ignorar a presença calada do teatro no coração do Centro Histórico. Foi assim que, em 1988, o Teatro de Arena foi considerado um espaço de utilidade pública. Após passar por uma reforma, reabriu em 13 de março de 1991, com outra proposta. A partir daí, passou a abrigar diferentes encontros, sendo palco de experimentações e pesquisa.

Hoje, segundo Gabriela, será um dia de reforçar seu papel histórico.

- É um reduto de arte, de militância, muito artista passou por aqui. Muita história foi contada. Muita gente entrou lá batalhando por sobrevivência artística. E a história do teatro de Arena é linda. Os artistas lá atrás, que construíram ele, teve gente que se estabeleceu ali, que tinha aquilo como casa. Eu acho que tem muito a ser celebrado e tem muito a ser comemorado.

 FERNANDA POLO

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