sábado, 22 de outubro de 2022


22 DE OUTUBRO DE 2022
OPINIÃO DA RBS

O MAU USO DA FÉ NA CAMPANHA

São inúmeros os temas que afetam o dia a dia da população, mas passam ao largo - ou quase despercebidos - do debate eleitoral. É possível notar esse distanciamento em especial na corrida ao Planalto. Quando são tratados, em regra a abordagem é rasa, sem que se aprofundem as propostas voltadas a áreas essenciais para o cotidiano da população ou o futuro do país, como educação, saúde e economia, apenas para citar três tópicos. No lugar de pautas que deveriam ser prioritárias, permanece em primeiro plano a disputa em torno da discussão sobre valores e costumes, com questões religiosas surgindo como um dos núcleos da competição pelos votos.

A instrumentalização da fé para angariar o apoio de estratos significativos do eleitorado não é novidade, mas ganhou proporção inédita em 2022. O resultado é que, mesmo quem eventualmente preferisse focar em outras temáticas, acaba arrastado para essa arena, sob pena de deixar o adversário falando sozinho. É notória a vinculação de Jair Bolsonaro (PL) com os evangélicos, por exemplo. Na busca por tentar abrir um espaço de diálogo, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) divulgou na quarta-feira uma carta se posicionando sobre as pautas que preocupam esse público. Dois dias antes, participou de um encontro com padres, freiras e frades católicos.

O patamar não visto até agora de tentativas de vincular o sufrágio a princípios religiosos, inclusive com a utilização de eventos relacionadas a datas de grande importância para os católicos brasileiros, tem levado a uma reação também incomum da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). "Ratificamos que a CNBB condena, veementemente, o uso da religião por todo e qualquer candidato como ferramenta de sua campanha eleitoral", diz trecho de nota da entidade divulgada no dia 11 de outubro.

Além de ser inapropriada, é uma estratégia que parece buscar o alheamento da população, pontua a própria CNBB. Na mesma manifestação, observa que a tática "tira o foco dos reais problemas que necessitam ser debatidos e enfrentados em nosso Brasil". O país tem incontáveis desafios urgentes em frentes como reformas, qualificação do ensino, produtividade, elevação da cobertura vacinal contra várias doenças e proteção do meio ambiente conciliada com desenvolvimento econômico, entre outras. Enquanto isso, os assuntos que dominaram o início da campanha do segundo turno foram canibalismo, satanismo e pedofilia, temas surgidos das profundezas das redes sociais e apropriados pelas campanhas. E os temas religiosos, que idealmente deveriam estar apartados do debate político, muitas vezes aparecem ainda embalados na desinformação.

O uso indevido da fé é só mais um indicador do lastimável nível do debate político em andamento. Até um candidato que se diz padre apareceu no primeiro turno. Mas há ainda a questão de fundo da laicidade do Estado brasileiro. Ao mesmo tempo que protege a liberdade religiosa, a Constituição é explícita na exigência da separação entre igreja e administração estatal. Ou seja, a crença professada não deve influenciar na gestão dos entes federados. Políticas públicas têm de ser sempre norteadas por critérios objetivos. Assim sendo, o adequado seria que a preferência do eleitor fosse uma disputa em torno das melhores propostas para solucionar os reais e palpáveis entraves do país. 

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