sábado, 7 de junho de 2014


07 de junho de 2014 | N° 17821
O PRAZER DAS PALAVRAS | Cláudio Moreno

Cubículo

NEM TUDO QUE reluz é ouro é mantra a ser repetido por quem se aventura a entender as palavras

Todo aquele que se aventura pela floresta encantada das palavras deve repetir, ao longo de todo o caminho, o mantra “nem tudo que reluz é ouro, nem tudo que balança cai”. Isso evitará situações embaraçosas como aquela por que passa atualmente um colega de armas, professor de Português, como eu, o leitor L. B., de Caxias (as iniciais são fictícias, a pedido seu, tal é o constrangimento).

“Ao participar de um seminário de motivação”, diz ele, “alguém, ao saber que eu ainda leciono, perguntou, assim do nada, se cubículo tinha alguma coisa a ver com cubo – e eu, que devia guardar a boca para comer polenta, não só disse que sim, como me estendi sobre o assunto, estabelecendo uma comparação com outras formas diminutivas, do tipo pele e película, cútis e cutícula, monte e montículo.

Achei perfeitamente lógica relação entre o cubo e o cubículo; afinal, ambos têm aquela mesma forma quadradinha... Quando cheguei em casa quase caí sentado quando olhei o dicionário (uso o Houaiss), pois parece que um nada tem a ver com o outro. Acho que essa não tem como defender, não é, professor?”.

Não, meu amigo. Infelizmente, não. Herdamos cubo do Latim cubus, o qual, por sua vez, veio do Grego kubos, “dado de jogar” (este “u” deve ser pronunciado com biquinho, mais ou menos como no Francês). Este foi um dos sólidos mais estudados na Antiguidade Clássica, prestando-se, com suas seis faces quadradas e suas doze arestas, a uma série de elucubrações místico-filosóficas.

De cubo saíram o adjetivo cúbico e o substantivo cubagem, bastante usados. Um sentido antigo da palavra, registrado tanto por Bluteau (séc. 18) quanto Morais (séc. 19) era o de um pequeno barril “em que se acarreta água; é mais agudo que a pipa nos extremos”. Esses eram os temíveis cubos, fétidos recipientes em que os escravos eram obrigados a carregar os dejetos da casa para lançá-los no mar ou, no caso de Porto Alegre, no Guaíba, que ainda era um belo e pacífico rio, sem suspeitar das futuras discussões terminológicas a seu respeito.

Por sua vez, cubículo também tem origem latina, mas lá do outro lado do morro: vem de cubiculum, de cubare (“deitar”). Embora hoje o termo sirva para nomear qualquer espaço restrito (inclusive as “baias” de escritório), era tradicionalmente empregado para designar a cela em que dormiam os religiosos. É parente de incubar (“deitar em ou sobre”), concubina (“a que deita com”), e, não menos interessante, íncubo e súcubo, os dois demônios noturnos, macho e fêmea, respectivamente, que tinham relações carnais com os que dormiam – demônios esses que, como se vê, eram muito conservadores, pois ele sempre vinha por cima, ela sempre vinha por baixo.


Cláudio Moreno é professor de português e escreve quinzenalmente aos sábados