07
de junho de 2014 | N° 17821
CLÁUDIA
LAITANO
Communication ou
trumbication
Falar
ou escrever de uma determinada forma pode revelar de onde você veio, para onde
gostaria de ir e o que anda consumindo pelo caminho. Lembro quando, ainda
menina, reparei que o filho do seu Emílio, pedreiro que fazia uma obra lá em
casa, falava “peguemo” e “fumo” (do verbo ir) e chamava minha mãe de “vizinha”
– forma de tratamento que ela também usava de vez em quando, mas apenas quando
se dirigia a pedreiros, verdureiros, pintores de parede.
Meu
amigo era um garoto inteligente, um pouco mais velho do que eu, e me parecia
apenas curioso que tivesse aprendido a falar de um jeito diferente. Minha
inocência social e verbal, porém, não sobreviveria aos três meses do verão em
que brincamos juntos. Logo eu entendi que as crianças estavam divididas não
apenas entre meninos e meninas, mas entre as que diziam “brincamos” e as que
diziam “brinquemo”.
Anos
mais tarde, comecei a perceber que eu mesma havia aprendido muitas palavras e
expressões fora da norma culta em casa. Meu autoimposto upgrade de linguagem
incluiu começar a dizer “trouxe”, em vez de “truxe”, e “para eu fazer”, em vez
de “para mim fazer”.
Na
Inglaterra, dizem, não há sabão de ascensão social que enxágue a linguagem
cotidiana da origem do falante. Já em países jovens em que a mobilidade social
é valorizada, como Brasil e Estados Unidos, é relativamente fácil livrar-se de
um passado considerado incômodo na hora de falar ou escrever (a menos, é claro,
que falar fora da norma culta se torne uma espécie de manifesto político).
A
forma como falamos (ou não) inglês também é um índice social eloquente no
Brasil, além de geracional – quem tem mais de 50 anos em geral penou para falar
um inglês decente, enquanto quem tem menos de 20 parece ter aprendido sozinho.
Durante a Copa do Mundo, a capacidade de “communication” com os gringos não vai
servir apenas para distinguir quem estudou em escola particular ou passou algum
tempo fora do país.
Na
área de comércio e serviços, quem quiser lucrar com o inédito fluxo de turistas
no país vai ter que se comunicar: é communication ou trumbication. Da
prostituta ao vendedor de paçoquinha, está todo mundo se virando para dominar o
básico para esse convívio globalizado.
Vem
desse esforço tão brasileiro, que combina o jeitinho para o improviso com um
certo desprezo pelo conhecimento sistematizado, mesmo quando ele está ao
alcance de apenas dois cliques no Google, a recente avalanche de erros e humor
involuntário em placas de rua, cardápios de hotéis e restaurantes (“against
file”, “bread and colds”, “sleeve juice”) e até em pichações de protesto (“fuck
word cup”) que tem feito sucesso nas redes sociais.
Mas
não pense que apenas a camada de baixo da pirâmide social abastece o humor
involuntário linguístico do nosso beautiful country. O blog Português para
Executivos vem fazendo piada com o cacoete de jovens profissionais em ascensão
de falar aquele idioma híbrido, cevado em MBAs ao redor do mundo, em que
reuniões viram “meetings” e nenhum projeto começa sem que alguém antes
providencie um “start”. Para alguns, deve soar como marca de distinção social e
cosmopolitismo, mas, dependendo do ouvinte, acaba tendo o efeito exatamente
oposto. Mais ou menos como o discurso do rei do camarote. Sorry, guys.