terça-feira, 23 de maio de 2017


20 de maio de 2017 | N° 18850 
DAVID COIMBRA

Como educar meninos de nove anos

Outro dia, briguei com meu filho. Ele fez algo errado e eu o censurei com certo rigor. A Marcinha acha que fui duro demais.

– Ele vai ficar traumatizado – avisou.

Na hora, reagi: – Que traumatizado o quê! Quanta frescura! Fosse a minha mãe, já me puxava pela orelha!

Depois fiquei pensando: e se o guri ficar mesmo traumatizado? Se o pai é duro, o menino pode se tornar um adulto com medo de autoridades, pode se transformar em um dissimulado, um covarde, um homem que não consegue enfrentar as vicissitudes da vida.

Meu Deus! O que estou fazendo com meu próprio filho? Um profundo e corrosivo remorso tomou conta de minh’alma. Continuei cismando. Deveria ser mais brando, talvez. Mais suave... Ou...

Será?

É que, se você for frouxo demais, a criança inevitavelmente virará uma mimada, uma reclamona, uma birrenta, uma pessoa que exige tudo e nunca fica satisfeita com nada. Por fim, uma infeliz crônica. Conheço gente assim, sobretudo na política.

Aí não dá, por favor.

O ideal é o meio-termo. O caminho do meio, como diria Buda. Você tem de ser firme, quando o momento exige firmeza; dócil, quando o momento exige doçura. Você tem que saber dosar, entende? Aquela história do Che Guevara, que conseguia endurecer-se sem perder a ternura.

Mas como atingir esse ponto de equilíbrio?

Perceba o meu drama, solidário leitor: não tenho dúvida de que já vivi mais do que me resta viver. Quer dizer: devia estar colhendo os frutos da experiência. Cometi erros, passei por contingências, sofri e fiz sofrer, mas agora sei o que fazer. Atingi o ponto em que reconheço os limites e, sobretudo, me conheço muito bem.

É como deveria ser.

Mas não é como é.

O fato é que não conheço completamente nem a mim mesmo. Você entendeu como é trágico isso? A pessoa com quem mais tenho intimidade sou eu, e eu mesmo me surpreendo comigo, em alguns momentos. Como, então, poderei saber o que fazer em relação aos outros, ainda que o outro seja alguém que conheço desde o nascimento, como o meu filho?

Cristo!

Mas não vá me entender mal, também: sei que sou um bom pai e, mesmo que vez em quando seja mais firme, nunca bati no meu filho ou coisa que o valha. Faz mais de ano que não o coloco de castigo, inclusive. E ele é um bom guri, certamente que é. Só que, como todo menino de nove anos de idade, às vezes tem comportamentos irritantes e aí é claro que deve ser reprimido. A punição educa, digo sempre. A questão é a dose. Qual é a dose perfeita?

Você se preocupa demais? Ou se preocupa de menos? Tem que prestar mais atenção naquilo? Ou não deve dar bola? Vai passar com o tempo? Ou é preciso intervenção? Ele come muito ou pouco? Está muito magrinho? O rendimento na escola é o adequado? Fica tempo demais ao computador? Lê menos do que deveria? Será que é normal gostar de bichinho de pelúcia nessa idade?

CRISTO!

Só tenho perguntas. Não tenho respostas. Não pergunte nada, quem somos, para onde vamos, de onde viemos, não pergunte nem onde fica o Alegrete, que, aliás, era a terra do meu pai. Meu pai... Será culpa dele? Será culpa da minha mãe? Os pais sempre têm culpa, não é?

Sempre.

Arrastarei minha culpa pelo tempo que me cabe debaixo do sol, uma culpa pesada como se fosse uma bola de aço presa a uma corrente. Mas seguirei em frente e, quem sabe, mais tarde, direi ao meu filho:

– Sim. A culpa é minha. Mas tentei fazer o melhor.