sábado, 27 de maio de 2017



27 de maio de 2017 | N° 18856
PALAVRA DE MÉDICO | J.J. CAMARGO

AMOR E RESPEITO: O QUE VEM ANTES?

As escolas de todos os níveis têm recebido críticas crescentes pela maneira com que têm participado da educação dos nossos filhos. Com essa perspectiva fantasiosa, a decepção é completamente previsível: está sendo atribuída à professora de 40 alunos, sentindo-se ameaçada, trabalhando em ambiente desfavorável e com carga horária abusiva, a função de educar os rebentos que não conseguiram ser domesticados por dois pais amorosos e dedicados, apesar de lhes oferecerem um convívio adocicado, amoroso e pretensamente estimulante.

O ser humano não é um animal acomodado ao meio em que foi aleatoriamente inserido. Pelo contrário, é um contestador nato que aparentemente descobre, ainda no útero, que dando uns pontapés consegue uma posição mais cômoda e já nasce gritando e esperneando, e aprende logo no primeiro dia de vida a importância do choro como arma poderosa para tratar a fome e o desconforto de uma fralda suja. 

Como é completamente dependente de ajuda, porque de outra forma não sobreviveria, a paparicação inicial é inevitável. Como faz parte da natureza humana, ele tende a se acomodar às circunstâncias favoráveis, mas acomodação não educa ninguém, precisamos preparar nossas crias para a vida real, que começa a mostrar a cara ainda na primeira infância. É quando se descobre que nem sempre haverá alguém para servir, que chorar não ajuda e espernear só parecerá ridículo. Nesta fase é que se qualifica o pimpolho para o convívio social e o mundo. 

Pois é exatamente nesse estágio da vida que as mudanças na estrutura familiar da modernidade têm se revelado ineficientes. Com ambos ocupados com a atividade profissional, os pais esperam que creche não só ocupe e proteja os rebentos, mas, na medida do possível, oferte os ensinamentos básicos de sobrevivência para a selva social que os aguarda. Num momento crítico da educação da criança, quando ela deveria aprender a identificar os limites do direito de cada um, imposto pela civilidade, o que mais se vê são pais iludidos com a ideia de que precisam se fazer amar e que o resto será mera consequência. Claro que assim a criança será deseducada com a percepção tola de que sempre terá tudo o que quiser. E que ter mais ou menos dependerá apenas da veemência dos pedidos.

Dona Joana viuvou muito cedo e criou quatro filhos homens, que tinham entre cinco e 11 anos quando o marido morreu. Impressionado com a disputa de desvelo com que o quarteto cuidava da mãe quando adoeceu, não resisti em perguntar-lhe qual era o segredo dessa conquista de afeto tão evidente. Ela demorou para responder, e interrompeu a minha primeira tentativa com uma frase pouco convincente: “Esses filhos foram um presente de Deus para compensar minha perda!”. 

Dias depois, às vésperas de uma cirurgia de risco, ela espontaneamente retomou a conversa: “Não foi nada fácil, doutor. Meu filho mais velho era uma peste e a má influência sobre os menores só atrapalhava. Imagina que um dia, aos 14 anos, inventou que eu tinha que lhe dar uma moto. Disse-lhe que não daria de jeito nenhum e que não falasse mais no assunto antes dos 18 anos. Ele, então, me provocou, retrucando: ‘Então não espere que lhe ame até os 18 anos’. Aquilo me doeu, doutor, mas tive forças para dizer: ‘Meu filho, meu dever de mãe não é me fazer amar, mas me fazer respeitar. Porque amor é uma escolha que farás adiante na vida, mas respeito é pra hoje e é uma obrigação!’.”

Dois dias depois, ele esperou os irmãos dormirem, entrou no meu quarto, se pendurou no meu pescoço, sem dizer uma palavra, e choramos abraçados até que ele adormeceu. Daí em diante, ele foi o pai de quem os pequenos já nem lembravam muito bem”.

Não sei por onde andará a Joana e sua prole, mas que frase aquela: amor é escolha, respeito é obrigação.