sábado, 27 de maio de 2017



27 de maio de 2017 | N° 18856 
DAVID COIMBRA

Cem centímetros de glúteos

“Cem centímetros de glúteos!”, foi a manchete que dei no Timeline de sexta, antecipando o tema que abordaria no bloco seguinte do programa. Achei que largar assim aquela frase, “Cem centímetros de glúteos!”, seria impactante. Deixaria os ouvintes ansiosos para saber a respeito e meus colegas, o Potter e a Andressa Xavier, decerto não ficariam menos curiosos, sobretudo o Potter, que aprecia glúteos de bom tamanho.

Minha ideia era ler o release que havia recebido sobre uma modelo brasileira chamada Luana Caettano, eleita Musa do Barcelona. O texto informava: “A morena é dona do maior bumbum da Espanha, o que acabou lhe rendendo o apelido de ‘Bumbum Catalão’, o qual carrega com muito orgulho.”

Embora não tenha ficado claro, concluí que o que ela “carrega com muito orgulho” é o apelido. Ou seja, se você for a Barcelona e passar pela Luana Caettano, pode dizer “E aí, Bumbum Catalão!”, que ela vai gostar.

Pensei realmente que todos se entusiasmariam em saber que uma brasileira é dona dos maiores glúteos da Espanha, título que me parece bastante expressivo. Cem centímetros, afinal de contas, é um metro, a altura de uma criança de cinco anos de idade. Dispor de glúteos com essa dimensão me parecia algo digno de nota.

Mas, quando comecei a dar a informação, o Potter me cortou:

– Ah, mas eu tenho cem centímetros de glúteos!

Aquilo já arruinou-me o entusiasmo. O Potter não tinha de ter me dado aquela informação. Porque, no momento em que ele falou, os glúteos do Bumbum Catalão fugiram da minha mente e foram substituídos pelos do Potter. Não, não, vade retro, eu não queria pensar nos glúteos do Potter! Tentei me concentrar no Bumbum Catalão e seguir com o texto, mas a Andressa observou, até com certo enfaro:

– Ora... Qualquer uma tem cem centímetros de glúteos...

Qualquer uma... Senti certa admiração pela colega. Mas é claro que ela estava se referindo às brasileiras. Andressa poderia dizer: qualquer brasileira tem cem centímetros de glúteos e o Potter também. Eu acreditaria nela, devido ao nosso sabido apreço pelos glúteos.

Sempre pensei que isso tem algum significado. Não deve ser por acaso que a palavra “bunda”, tão redonda, tão globosa, tão perfeita para definir essa região do corpo humano, nasceu no Brasil. É uma história conhecida: muitas das escravas que foram trazidas da África vinham de Angola e Luanda, onde se falava o idioma mbundu. Eram mulheres belas, de longas pernas e nádegas generosas, porém sólidas. Os portugueses salivavam quando as viam e comentavam entre si:

– Que bunda!

Isto é: as bundas eram admiradas pelas bundas que tinham e, assim, as bundas das bundas, que antes não eram chamadas de bundas, mas de nádegas, tornaram-se bundas, conceito que passou a abranger não apenas as bundas das bundas, mas as bundas de todas as mulheres e também dos homens.

Esse cadinho de raças, que é o Brasil, aperfeiçoou a arte do drible, do passe de trivela, da lavagem de dinheiro e as bundas das mulheres. Hoje, encontramos loiras com bundas de negras, e quando isso acontece é a glória.

Agora, una a genética privilegiada pela miscigenação à tecnologia dos exercícios para os glúteos nas academias e o que resulta? Sucesso internacional, como a moça que ganhou o título de Bumbum Catalão, com seus cem centímetros desprezados pelo Potter e pela Andressa.

Continuo não desprezando aqueles cem centímetros, embora tenha sido desprezado no programa. Meus colegas fizeram pouco caso da minha informação. Descartaram-na em um minuto e já se puseram a falar de algum obscuro deputado. Tudo bem, seguirei em frente com minhas convicções. Continuo pensando que nosso amor pelos glúteos produziu algo na nossa psiquê. Continuo desconfiando de que somos um subproduto da bunda. Desenvolverei melhor essa tese. Mas não contarei minhas conclusões para o Potter e a Andressa. Fiquem eles com seus deputados.