terça-feira, 23 de maio de 2017



23 de maio de 2017 | N° 18852 
LUÍS AUGUSTO FISCHER

EXTRATIVISMO


Já há algum tempo meu cérebro, à revelia da minha vontade, andava rondando um tema que agora se esclareceu, por obra de Reinaldo José Lopes, na Folha de S. Paulo de domingo passado. Mas antes de esclarecer, relato o desconforto obscuro.

Não se tratava da corrupção em si mesma – esse festival assustador e acachapante de denúncias e revelações (nem sempre são a mesma coisa), que nos deixam simplesmente sem ação, salvo o ir para a rua e reclamar, enquanto esperamos que nas altas esferas as coisas andem pelo melhor caminho, ai, a nossa ingenuidade.

O que esperar deste Congresso? O que esperar do juiz Moro, que passou três anos investigando pedalinho e apartamento em praia de classe média, mas impediu que as embaraçosas (e certeiras) perguntas de Eduardo Cunha fossem levadas a Temer? O que esperar dos controles institucionais da República, que te pegam quando tu esqueces de declarar uma renda eventual que nem fez cócegas na economia da família, mas deixam passar bilhões à toa?

Só isso já é suficiente para a gente perder o sono e a ilusão, para nem falar da crença no futuro. Mas por baixo e por cima dessa mixórdia há outra camada, que eu não conseguia nomear. Mas agora sim, pelo texto do Lopes: no atual espetáculo exposto à nossa patetice, as empresas corruptoras são variações do velho extrativismo.

Carne de boi é praticamente isso: embora tenha mediações agrícolas e industriais, ela dependeu, no caso da JBS, da destruição da floresta e de outros ecossistemas para criar os animais. A Petrobras, nem se fala: é extrativismo de raiz, a girar a roda da destruição do planeta na queima de combustíveis fósseis. A terceira ponta está nas megaempreiteiras, com fraudes proporcionais ao faraonismo das obras, tantas vezes ecocidas.

A modernidade, em que o Brasil faz parte importante no jogo mundial, nos reservou esse medonho papel. Tem como sair dele?