terça-feira, 23 de maio de 2017



22 de maio de 2017 | N° 18851 
DAVID COIMBRA

Cortei relações por causa do PT

Rompi relações com um amigo de infância por causa do PT. Quer dizer: não foi exatamente por causa do PT. Explico: esse meu amigo é petista daqueles fanáticos, compartilha matérias de sites financiados pelo partido e já escreveu que Dilma é heroína dos pobres (juro). Até aí, tudo bem, há muitos que são assim, é preciso ter tolerância, mas, dias atrás, numa conversa eletrônica, ele disse que critico os governos petistas para agradar à RBS. Ou seja: minha opinião é interesseira. Ou seja: sou desonesto.

Já ouvi e li essa bobagem antes, vinda de outras pessoas, e não me ofendi. Dias atrás, enviaram-me uma entrevista que o ex-senador Bisol deu para um site, e ele falou algo parecido. Não me importei, embora admire Bisol como homem de vasta cultura e bons sentimentos. Sei que o dogma torna obtusas as pessoas mais inteligentes. O sujeito é genial em quase todos os aspectos da vida, mas, quando o tema roça em sua crença ou em sua ideologia, ele cai de quatro e zurra.

O objeto específico da minha conversa com o ex-amigo era o caso da JBS. Vejamos: a JBS recebeu R$ 12 bilhões de empréstimos amigos do BNDES nos governos Lula e Dilma. O banco chegou a comprar parte da empresa para livrá-la da falência. Quando Lula assumiu, o grupo faturava R$ 4 bilhões e, 10 anos depois, faturava R$ 170 bilhões. 

O TCU já anunciou que as operações dos Batista com o BNDES trouxeram prejuízos enormes ao banco; num único ano, o de 2008, o prejuízo foi de R$ 614 milhões. Com recursos do contribuinte, a JBS comprou 65 frigoríficos nos Estados Unidos e seus proprietários se homiziaram em Nova York. Vão dar empregos e pagar impostos aos americanos graças ao dinheiro dos brasileiros. Ainda assim, meu ex-amigo acredita que só Temer, Aécio e outros políticos, que não do PT, se corromperam.

A lógica é: “Aécio é corrupto; logo, Lula é inocente”.

É o único caso da história da humanidade, em todos os tempos, em que um corruptor confesso obteve vantagens de um governo corrompendo a oposição.

Foi o que disse para meu ex-amigo, e ele, sem argumentos para rebater, veio com essa de que minha opinião é movida por interesse.

Cortei relações.

Se não posso ter lealdade de um amigo, não tenho amigo.

Não faço o mesmo. Nunca pessoalizo debates, sempre terço argumentos. Não acho que meu ex-amigo e Bisol sejam desonestos por pensarem o que pensam. Acho que são equivocados. No caso, devido à paixão. A paixão nos torna cegos e tolos.

Eu também muitas vezes erro, mas posso errar honestamente. Sei por que algumas pessoas acreditam que quem discorda delas é sempre mal-intencionado. Jesus já ensinou, 2 mil anos atrás: cada um julga os outros com sua própria medida.

Esse foi o pior legado deixado pelo finado PT. Não foi a corrupção. As relações entre o poder e o capital, no Brasil, sempre foram espúrias. O PT pode ter sido mais sistemático, mais orgânico, mas esse é um pormenor. O problema é que, nesse tempo todo de governos petistas, o Estado foi usado como agente fomentador de instituições que lutavam contra o próprio Estado. 

É algo sofisticado, merece mais reflexão, mas, por ora, lembro que o mesmo ocorreu com o peronismo na Argentina e o bolivarianismo na Venezuela. Para se perpetuar no poder, um governo usa os recursos do Estado distribuindo esmolas embaixo e fortunas em cima. A ideia é cooptar apoiadores, nunca a formação de uma nação independente.

Assim, a noção distorcida que o brasileiro historicamente tem do Estado ficou ainda mais distorcida. A cidadania transformou-se em birra. Exige-se muito, faz-se pouco. O Brasil virou o país do não. Tudo o que se tenta enfrenta oposição e desconfiança. O outro sempre tem segundas intenções, o outro sempre é suspeito.

Tristes trópicos. Voltando a citar Jesus: não é o que entra na boca do homem que faz o mal. O mal é o que sai da boca do homem.