quarta-feira, 31 de maio de 2017


31 de maio de 2017 | N° 18859
MARTHA MEDEIROS

  • Você é novo aqui?

    Entrei num estabelecimento comercial que não frequentava há uns três meses e reparei que havia funcionários que eu desconhecia. Entre eles, uma bela mulher, bem maquiada e produzida. Trans. Enquanto eu era atendida, conversamos rapidamente e estava tudo assim, natural como tem que ser, quando olhei para ela e perguntei: “Você é novo aqui?”.

    Tóóóóing. Ato contínuo, me corrigi: “Nova!!”. Mas o estrago já estava feito, o semblante dela fechou e eu fui etiquetada como um ser das cavernas que não sabe lidar com a diversidade. Logo eu, a pseudodoutora em condição humana.

    Voltei para casa chateada com o que aconteceu, me punindo em silêncio, e ao mesmo tempo percebi como é difícil a gente trocar o chip e adotar posturas mais avançadas. Crente de que estava com a cabeça feita em relação ao movimento transgênero, me dei conta de que esses atos falhos demonstram que toda uma cultura adquirida não se varre da nossa vida com uma simples vassourada. A faxina tem que ser mais pesada.

    Isso aconteceu na mesma semana em que muito se comentou a respeito de Laerte-se, o documentário sobre o cartunista que virou a cartunista. E faço uma confissão pública com a qual alguns se solidarizarão, mas o objetivo não é formarmos um gueto reacionário do contra, e sim questionarmos nosso comportamento a fim de evoluir: ainda tenho dificuldade de chamá-lo de “a” Laerte. Imagino que ela (tenho dificuldade de chamá-la de ela também) considere um ato de resistência manter seu nome de batismo em vez de trocar por Laís, Larissa, Laurel. Tem também o fato de Laerte ser uma identidade artística plenamente reconhecida e estabelecida no universo dos cartuns. Mas Laerte é nome próprio masculino. É como se tivéssemos que dizer a Roberto, a Milton, a Cassiano.

    Não é simples.

    No entanto, não sou feita apenas de instintos e costumes de estimação. Sou feita também de raciocínio, consciência e capacidade de me adequar a um mundo que não é mais o mesmo. É obrigatório reformatar nossas atitudes para abraçar essa sociedade plural que aí está e que hoje permite que tanta gente que antes vivia atormentada dentro do próprio corpo possa se sentir plenamente identificada com quem é – seja ele ou seja ela.

    “Você é novo aqui?” Todos nós somos novos aqui. Temos o direito de errar, mas o dever de aprender.