quarta-feira, 18 de março de 2020




18 DE MARÇO DE 2020

+ ECONOMIA

Os vulneráveis que faltaram no pacote de Guedes

Apesar ter feito o discurso correto e adotado medidas já empregadas em outros países para amenizar o impacto do coronavírus, o ministro da Economia, Paulo Guedes, ficou devendo uma providência. Ao apresentar o pacote de R$ 147,3 bilhões, o ministro fez um paralelo entre o fato de o vírus representar mais perigo para organismos mais vulneráveis e o reflexo econômico também ter mais peso nos pontos mais frágeis da atividade produtiva.

Anunciou o prazo de três meses para pagamento do Simples, a liberação extra de FGTS e a inclusão de 1 milhão de pessoas no Bolsa Família.Mas um grupo crescente de brasileiros, responsável pelo tímido recuo nas estatísticas de desemprego, ficou sem proteção.

Os trabalhadores informais, que em janeiro chegaram a 15,7 milhões de brasileiros, além do contingente de cerca de 19,2 milhões de subaproveitados, ficaram sem apoio para enfrentar o forte freio na economia que vem aí. Para contrastar, o pacote de Donald Trump, que empalidece o similar nacional com seus US$ 850 bilhões, inclui até envio de dinheiro aos americanos de baixa renda. Como a coluna já recomendou, há momentos em que é saudável copiar o presidente norte-americano. É claro que respeitando as escalas das economias e a situação fiscal do Brasil.

A segunda renúncia do gaúcho na ANP

Em janeiro, o gaúcho Décio Oddone avisou que se afastaria da direção-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). A decisão foi anunciada logo depois que Jair Bolsonaro atropelou outra reguladora, a Aneel, no caso da taxação da geração distribuída.

Na época, Oddone assegurou que a decisão não tinha relação com o episódio, atribuiu "a fim de ciclo". Ficaria até dia 27. Ontem, porém, comunicou ao ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, sua saída do cargo. À coluna, disse que pretende trabalhar na gestão e reestruturação de pequenas e médias empresas, não só do setor de combustíveis.

Proteger as pessoas é proteger a economia

Não bastasse o espetáculo público de irresponsabilidade não com a própria saúde, mas com os cidadãos que pode ter exposto ao contágio, o presidente Jair Bolsonaro buscou escudo na economia para rejeitar as medidas de precaução contra o coronavírus. Em entrevista na TV aberta, ou seja, para um público que só agora começa a ter mais acesso a informações sobre prevenção, Bolsonaro detectou mais um inimigo imaginário. Disse ver nas iniciativas de prevenção uma ameaça a seu governo:

- Se a economia afundar, acaba o governo. Há disputa de poder nisso aí.

Sim, a economia vai sofrer um baque. Há projeção de contração já em fevereiro. O Indicador Antecedente Composto da Economia Brasileira, realizado em parceria entre a FGV Ibre e The Conference Board, mostrou recuo de 0,8%, depois de atingir o pico histórico no mês anterior. Paulo Picchetti, coordenador do estudo, explicou à coluna que não se trata de um cálculo de atividade, de quantos carros foram produzidos ou quantos aparelhos de TV foram vendidos. 

É um compilado de indicadores de confiança e percepção, que acabam determinando esse ritmo. Segundo Picchetti, não é possível saber qual o tamanho do impacto do coronavírus, mas como se trata de um período em que o assunto ainda era restrito, o mais provável é que o efeito seja pequeno.

Como Picchetti compõe um grupo que analisa os ciclos da economia brasileira, chamado Codace, que avalia quando há expansão e quando há recessão, a coluna quis saber se há projeção sobre o tamanho e a duração da queda na atividade.

- Com honestidade intelectual, não há como saber. Estamos diante de uma crise sem precedentes - respondeu o especialista.

Os países que sofreram o menor impacto foram os que adotaram medidas mais drásticas para travar a circulação do vírus. Como a doença foi detectada há menos de três meses, o aprendizado é recente. Ninguém tem certezas absolutas sobre sua disseminação, por isso é tão importante observar exemplos. Quando são adotadas restrições a aglomerações e circulação, há setores que sofrem perdas profundas, como bares e restaurantes. Do outro lado, supermercados já têm movimento maior.

O melhor que o governo pode fazer é reforçar o trabalho responsável que o Ministério da Saúde está desenvolvendo. Se bem administrada, a evolução da doença terá um impacto controlado no sistema de saúde, embora profundo na economia. Se tudo der certo, será um trimestre de queda na atividade. Se inimigos imaginários determinarem as medidas, a conta pode ser muito maior.

MARTA SFREDO

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