quarta-feira, 27 de julho de 2022


27 DE JULHO DE 2022
MÁRIO CORSO

Roupinha de doente

Quem já passou por uma internação, procedimento cirúrgico ou trabalha no ramo conhece a roupinha de doente. Muitos se perguntam: como chegaram a essa roupa onde você se sente mais exposto do que se estivesse nu? Por que submeter um humano a portar aquilo?

Calma, escrevo para explicar o simbolismo e a utilidade dela. Não é ao acaso, foram anos de estudo, em hospitais do mundo inteiro, para chegar ao design ideal. Paralelamente, perguntaram a estilistas famosos sobre como alcançar a antirroupa. É um desenho para chegar ao grau zero da vestimenta, com o máximo de exposição, unindo em uma síntese perfeita o esdrúxulo com o desconforto. Por isso, todas as ginásticas para tapar as intimidades são inúteis. Ela é feita para você ficar com a bunda de fora. Só aceite.

Intrincado foi o processo de geração das cores. Elas praticamente não existem no mundo real, apenas em tecidos hospitalares. Nem teria como descrever o que são. Seria algo como: um dia, num passado distante, isso foi verde; ou evoca um azul desmaiado que desbotou; ou ainda amarelo icterícia aguda, e por aí vai o samba. São muitas cores, todas evocando despojamento, precariedade e insuficiência. A textura gasta do pano foi criada pesquisando sobre roupa de soldados após longas batalhas, monges penitentes e náufragos tardiamente resgatados.

A "roupinha", na falta de uma melhor palavra, sintetiza uma necessidade semiótica em vários níveis. A mais importante é a assimetria de poder frente ao destino. Se você está dentro dela, não tem como não saber que está em um momento crítico. A experiência lembra a fragilidade humana. Recorda-o de que você passará por algo sério, geralmente anestesiado, e existe a possibilidade de não acordar. O traje sinaliza a vulnerabilidade da vida. Portanto, a veste oportuna para tal ocasião.

Mais do que tudo, ela evita o trauma da operação. Você fica tão focado no ridículo do traje que se esquece do resto. Também dribla a acomodação do paciente na recuperação, não há como se apegar ao hospital assim vestido.

Acrescente-se o ensinamento filosófico. Neste caso, buscaram no budismo como alcançar a dissolução total do ego - que só a roupinha proporciona - para contemplar o cosmos como ele é. Condição necessária para se desapegar da existência, caso as coisas saiam dos trilhos.

Na solidariedade com o paciente, o corpo clínico não se sai melhor. Usam mais tecido, têm direito a calças - aleluia -, porém as cores e a textura seguem o padrão. Com isso dão um exemplo ao paciente de vitalidade contra a adversidade. Mesmo franciscanamente vestidos, conservam o bom humor e a diligência com os cuidados. Apoiados na magia dessa roupa humilde, são heróis incansáveis que salvaram e salvam milhões na pandemia.

Estão vendo como a roupinha é estratégica? Pare de reclamar e agradeça.

MÁRIO CORSO

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