sábado, 30 de julho de 2022


30 DE JULHO DE 2022
MARCELO RECH

Não brigue por eles

A primeira eleição que acompanhei a trabalho foi em 1978, ainda no primeiro ano da faculdade de Jornalismo da UFRGS. Minha função na Central RBS de Eleições consistia em atender telefones e anotar numa planilha os votos urna a urna, candidato a candidato, que eram transmitidos a Porto Alegre por correspondentes nas zonas eleitorais. Nesta trabalheira insana de contagem dos votos para tentar ficar à frente da Justiça Eleitoral e dos concorrentes, os dados eram repassados a um então poderoso computador mainframe, enquanto aos microfones das rádios os colegas anunciavam solenes: "Atenção, novas urnas de Dom Pedrito"!

Desde essa pré-história eleitoral, participei como jornalista de todas as eleições. Estive nos estúdios das TVs nos primeiros debates para presidente, fiz a cobertura de comícios de Lula e Collor na renhida campanha de 1989, entrevistei um sem-número de candidatos em cidadezinhas e capitais, vi pancadarias de rua e bate-bocas Brasil afora. Mas nunca presenciei tal grau de radicalismo e insanidade como agora, quando os dois lados antagônicos se apresentam como a luta do bem contra o mal, esse último pespegado no outro, naturalmente. As condições peculiares desta eleição - polarizada desde a largada entre um candidato que desmoraliza o próprio sistema eleitoral e outro que passou 580 dias na cadeia por corrupção - e os nervos sobressaltados pelas redes sociais produzem uma eletricidade no ar que afasta amigos, desanda churrascos, afunda namoros e separa famílias.

Pois, do alto dos meus 44 anos de testemunha das eleições e da política em Brasília, nos Estados e no Exterior, ouso recomendar: nenhuma eleição e nenhuma candidatura valem uma família estilhaçada. Antes de brigar, pense no seguinte. Lembra aquele adversário ferrenho do Lula que há alguns anos era o alvo de ataques ferozes da esquerda? Saiba que ele é o vice de Lula hoje. E se recorda do Collor, do Valdemar Costa Neto (aquele preso e condenado no mensalão), além de toda aquela história de "se gritar pega centrão, não fica um, meu irmão" que embalou a campanha do atual presidente? Bolsonaro está abraçado a eles agora.

Em todos os cantos do Brasil, corações sinceros se engalfinham por seus candidatos, enquanto eles sobem ao palco para mais um teatro eleitoral em que o inimigo atual se converte no aliado de amanhã. Isso é política, e não é ruim que seja assim, porque demonstra que o bem e o mal não são conceitos absolutos ou definitivos em nada, muito menos em Brasília.

Então, antes de detonar aquele primo e bloquear o grupo da família, respire fundo e pense que só você sofrerá com a divisão. Eles, os candidatos, sempre darão um jeito de se acertar ali na frente com os adversários furiosos de hoje.

MARCELO RECH

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