quarta-feira, 18 de janeiro de 2023


18 DE JANEIRO DE 2023
JEFERSON TENÓRIO

Sob o mesmo céu

Costumo avaliar a qualidade de um filme pelo tempo em que ele permanece em minha memória. O quanto cenas, diálogos e personagens continuam agindo nas minhas lembranças. O filme Aftersun, da diretora e roteirista Charllote Well, é um desses que ficam reverberando mesmo depois da cena final.

Afertsun é um filme tocante por vários motivos: a estrutura não linear contando a história entre pai e filha, a beleza de imagens e closes não convencionais e os diálogos profundos e delicados, sem afetação dramática ou clichê. As atuações de Frankie Corio (Sophie) e o Paul Meskal (Calum) são exuberantes e ao mesmo tempo naturais em cena.

As escolhas do roteiro são de grande sofisticação. A história se desenvolve durante o período de férias, onde pai e filha vão circulando entre hotéis, restaurantes e piscinas, revelando que a vida acontece e é profunda em qualquer momento, mesmo quando, aparentemente, estamos descansando dela.

Os enquadramentos das cenas também mostram uma relação quase simbiótica entre os personagens. Não há grandes arroubos nas interpretações, o que deixa a trama em suspenso, pois há silêncios e contemplação. Há muitas coisas não ditas, tornando o filme instigante onde quase nada acontece, mas que tudo se move em seus universos particulares.

Há algumas cenas tocantes, como quando Sophie diz para o pai que gosta de olhar para o sol e pensar como é reconfortante estar sob o mesmo céu quando está longe do pai, e que olhar para o sol, mesmo que eles estejam em lugares diferentes, é uma forma de estarem juntos. Aftersun é um filme sobre cumplicidade e delicadeza. Sobre o que pode ser dito ou não para quem confiamos.

As descobertas da sexualidade de Sophie, a aparente doença do pai e a passagem do tempo são trazidas com sutileza e cuidado na direção. Assim como a tristeza que é relatada pela filha, mesmo depois de terem passado um dia magnifico. A dupla nos convence pela sinceridade. Além disso, a autonomia e a emancipação de Sophie, que tem 11 anos, são tensionadas diante das escolhas que ela vai fazendo.

E para quem ainda não viu, não me parece um filme triste. Mas um filme que nos mostra que a tristeza faz parte da vida, mesmo na alegria, mesmo nos momentos de descontração, porque ninguém consegue ser alegre o tempo inteiro, já diria Wander Wildner.

Poderia ainda dizer que Aftersun propõe uma espécie de educação sentimental. Mas me parece que o filme vai para além disso. Acho que estamos diante de uma educação existencial e do modo como vamos construindo nosso mundo interior.

JEFERSON TENÓRIO

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