quinta-feira, 19 de janeiro de 2023


19 DE JANEIRO DE 2023
CARPINEJAR

Arrotando bolhas de sabão

Vivemos um tempo de boca suja, de desrespeito constante no dia a dia e nas redes sociais. Até ficamos surpresos com a educação e a gentileza. O que prevalece é a mania grotesca de ofender por qualquer contrariedade.

Diante da cultura do ódio e da frequência da catarse pública de impropérios, se alguém é cordial e polido inesperadamente conosco, estranhamos, chama nossa atenção. Deveria ser o contrário. Deveríamos nos escandalizar com a aspereza. Não importa se serei chamado de careta, de conservador, de almofadinha, de religioso. Posiciono-me favorável a não falar palavrão em casa.

Somos os nossos hábitos. Somos a nossa linguagem. Depois de mal acostumados com a ferocidade da oralidade, é difícil desabilitar a agressividade. O palavrão dá carona para o desrespeito, para a ingratidão, para a indiferença. Nunca é só um palavrão, é violência verbal. Até porque ninguém agride com elogios.

Repare que a mão levanta com o palavrão, que a perna levanta com o palavrão, que o corpo vem junto com o palavrão. Viramos fantoches das cordas da loucura. A distância entre o insulto e a agressão física é mínima. O tapa, o soco e o chute surgem do comando dos lábios.

Muda-se, inclusive, a expressão mansa do rosto para a careta obsessiva do ataque. Se você liberar o palavrão para o filho, se fizer vista grossa para sua aparição, ele nunca mais vai lhe obedecer. Jamais vai ouvi-lo. Vai se achar o seu dono. Vai acreditar que pode tudo.

Palavrão não é charme, não é irreverência, não é liberdade, não é espontaneidade, muito menos é sinal de intimidade. Significa tão somente má-criação e falta de limites.

Ele é a preguiça do amor, determinando o fim da civilidade e da igualdade nas relações. É empregado sempre para rebaixar o outro e humilhá-lo. Se uma criança diz palavrão em casa, dirá também para o professor em sala de aula. Normalizará assim o desaforo.

Da mesma forma, os pais não podem exigir bons modos e oferecer o exemplo contrário à sua teoria ao xingar os mais próximos com nome de baixo calão nos seus momentos de maior irritação.

Não custa nada trocar os vocábulos deselegantes por expressões mais neutras: "droga", "horrível", "maldição". Não comprometerá o desabafo. Eu rezo quando me enervo: meu Jesus, meu Pai, Nossa Senhora. Orar já é melhorar a situação.

Talvez a única sagrada exceção para o palavrão seja ao bater o dedão do pé na quina da mesa. Também não temos sangue de barata para as colisões domésticas. Ninguém merece. Fora isso, ele precisa ser controlado, ao menos fiscalizado.

Na infância, quando eu pronunciava uma grosseria, tinha que lavar a boca com sabonete. Se repetisse, poderia sobrar para mim o intragável sabão de soda. Houve um efeito colateral dos reincidentes castigos. Acabei virando poeta de tanto que mastiguei sabão na vida. Minhas palavras tornaram-se bonitas e perfumadas. Eu arroto bolhas de sabão.

CARPINEJAR

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