15
de abril de 2014 | N° 17764
LUIZ
PAULO VASCONCELLOS
O teatro e a ditadura
A
gente vive querendo paz, tranquilidade e tudo mais que nos mantenha a sensação
de ainda estarmos no colo da mamãe. O que esquecemos é que sem um bom desafio,
um bom conflito, uma boa ameaça, permaneceremos sempre no mesmo lugar, morrendo
de tédio, sem possibilidade de avançar, sem perspectiva de encararmos o novo. Querem
ver?
Será
que existiu um grande movimento na arte sem uma ameaça de invasão, uma revolução,
uma guerra, qualquer coisa que proponha modificações filosóficas e políticas e
que faça com que aquela gente necessite expor seus pensamentos, provocar o
pensamento do outro, criticar, discutir, acusar e defender suas verdades e suas
ideias? Não.
Os
gregos inventaram a democracia, mas mantiveram a escravatura. Shakespeare viveu
numa Inglaterra próspera, mas com a Invencível Armada nos calcanhares. Tchékhov
retratou a decadência da aristocracia russa pressionada pela ascensão do
proletariado. Brecht escreveu no momento em que capitalismo e comunismo se
enfrentavam, e Beckett retratou o vazio deixado pela II Guerra Mundial.
Outro
exemplo foi o teatro feito no Brasil durante os tempos da ditadura. O teatro
foi a maior manifestação de resistência ao regime militar. Tudo começou com o
show Opinião, do Teatro de Arena e do Grupo Opinião, oito meses após o golpe. Em
seguida, estes grupos encenam Liberdade, Liberdade, e o Opinião produz Se
Correr o Bicho Pega, Se Ficar o Bicho Come.
Na
lista de autores que participam do teatro desse período, não podem deixar de
ser citados Augusto Boal, Antunes Filho, Cacá Rosset, Millôr Fernandes, Flávio
Rangel, Ferreira Gullar, Oduvaldo Vianna Filho, Plínio Marcos, Chico Buarque,
autores que de uma forma enfática e criativa driblavam a censura e expunham
através de símbolos e metáforas a violência e o absurdo do regime militar. E
creio que nenhum outro exemplo ilustre melhor essa atitude do que os versos de
Cálice, de Chico Buarque e Gilberto Gil:
“Pai,
afasta de mim esse cálice
De
vinho tinto de sangue”
Depois
do Arena, os grupos de contestação multiplicaram-se: o Oficina, liderado por Zé
Celso Martinez Corrêa, responsável por alguns dos espetáculos mais importantes
do teatro brasileiro; o grupo Tapa, a Cia. do Latão, o CPC da UNE e, aqui em
Porto Alegre, o Teatro de Arena, fundado por Jairo de Andrade em 1967.
Não
me entendam mal, não estou sugerindo que esquerda ou direita proponham uma nova
ditadurazinha no Brasil, mas que o palco brasileiro está sentindo falta de uma
reação mais incisiva contra os descalabros de uma política sem ideologia,
baseada simplesmente na “governabilidade”, disso ninguém tem dúvida.