sábado, 7 de junho de 2014


07 de junho de 2014 | N° 17821
VERISSIMO NA COPA

VERISSIMO NA COPA DUAS RAZÕES

Descobri um livrinho intitulado “Zizek’s Jokes”, “Piadas do Zizek”, com piadas inventadas ou compiladas por Slavoj Zizek, filósofo e crítico cultural esloveno que ficou famoso nos últimos anos por suas teorias sobre, literalmente, tudo, do camundongo Mickey a Hegel.

De formação marxista, Zizek é antes de mais nada um iconoclasta que não poupa nenhuma ortodoxia, mas há quem diga que seu maior talento é para a autopromoção, na linha francesa de intelectuais superstars. Andei folheando o livrinho, o bastante para saber que o humor esloveno não viaja bem, mas encontrei uma historinha adequada para o momento em que estamos vivendo.

Pois diz que um judeu chamado Rabinovitch quis emigrar da União Soviética. Ao burocrata que lhe perguntou por que queria ir embora, Rabinovitch respondeu: por duas razões. A primeira era seu temor de que o comunismo acabasse, viesse o caos, os pecados do regime falido fossem julgados e, como sempre, culpassem os judeus por tudo. Isso nunca acontecerá, disse o burocrata. O regime estava cada vez mais forte e sólido. O comunismo duraria mil anos.

– Essa é a segunda razão – disse Rabinovitch.

Digamos que o Brasil perca a Copa. Quem já era contra ficará ainda mais revoltado. Não se prevê pogroms contra os responsáveis pelo vexame, mas alguém terá que pagar. Os efeitos políticos da derrota também agravarão uma divisão que já é tóxica. Dilma não se reelege. Muda a economia. Muda tudo. Rabinovitch foge do país.

Ou: o Brasil ganha. Todos os ressentimentos são esquecidos. O regime se fortalece. Dilma se reelege. Continua tudo como era antes, mas agora com apoio redobrado. A oposição reage e se radicaliza. Rabinovitch, com medo de que a polarização seja prelúdio de coisa ainda mais feia, foge do país.


Lembro que na Copa de 70 a ideia era que torcer pela Seleção era torcer pelo regime militar. Tostão era um torturador, Rivelino um censurador, Pelé, o Médici disfarçado. A decisão de não torcer não sobreviveu à primeira escapada do Jairzinho pela ponta direita rumo ao gol adversário, no jogo de estreia. O que a vitória de 70 significou para a história da ditadura ou do Brasil ficou indefinido. Que Brasil saiu daquela Copa? Que Brasil sairá desta? De qualquer maneira, não acho que será caso de se emigrar.