sábado, 7 de junho de 2014


08 de junho de 2014 | N° 17822
ENTREVISTA LEANDRO BOLDRINI

Pai de Bernardo Uglione Boldrini

O cirugião Leandro Boldrini, 39 anos, nega ser o mentor da morte do filho, Bernardo Uglione Boldrini, 11 anos. Com o olhar parado, quase sem expressão, 10 quilos mais magro do que quando foi preso, em 14 de abril, ele diz estar vivendo um pesadelo acordado.

Mesmo com doses de Rivotril, sofre de insônia na cela que ocupa no setor de triagem da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc). À noite, ocupa o tempo lendo romances, suspense, psicologia e auto-ajuda. Quatro dias por semana, as mãos de pele clara que nos últimos 10 anos conduziram o bisturi em cirurgias no hospital de Três Passos empunham pincel: ele trabalha pintando as paredes de uma sala da prisão:

– É bom para ocupar o tempo.

Isolado do contato com outros presos para sua própria segurança – já que crimes envolvendo crianças são condenados até por criminosos –, ele também toma horas diárias de sol no pátio da prisão. Boldrini não demonstra emoções e admite não saber fazer isso: fala da morte do filho, de trabalho, de família, sempre no mesmo tom. Mesmo quando diz que jamais perdoará a mulher, Graciele Ugulini, acusada de assassinar Bernardo, a fala é diplomática, sem indignação.

Na última quinta-feira, durante uma hora e meia, Zero Hora conversou com Boldrini na Pasc. Na presença do seu advogado, Jader Marques, o médico não hesitou nas respostas. Chegou a afirmar que sua personalidade e jeito de ser contribuíram para a tragédia.

Qual seu envolvimento com o sumiço e a morte de seu filho Bernardo?

Não tenho nenhum envolvimento. A última imagem que tenho dele é daquela sexta-feira (4 de abril, dia do crime) em que ele estava feliz porque ia ganhar uma televisão. Essa TV, provavelmente, tinha sido prometida para ele pela Graciele. Achei que as coisas estavam melhorando depois daquela entrevista com o juiz e a promotora para ver a questão do Bernardo. Pensei: as coisas estão melhorando, o guri está faceiro, a coisa está se desenvolvendo de uma maneira para dar certo. Era o que eu queria, que todo mundo esperava, que o Bernardo... O que ele foi pedir lá foi mais carinho, mais atenção, enfim, isso aí estava dando resultado prático.

Ele ia ganhar a TV ou um aquário? A polícia disse que ele saiu com a Graciele porque acreditava que buscaria o aquário que tanto queria.

É difícil precisar se foi por causa da TV ou do aquário, mas o Bernardo estava contente, alegre, eufórico, repetiu o almoço, gostou do peixe. Era uma soma de coisas, era o aquário que ele ia ganhar, era a TV. Uma criança de 11 anos é fácil de manipular.

Polícia e Ministério Público acreditam ter elementos fortes contra o senhor.

O que eles apresentaram são coisas que não têm como me incriminar. O principal é a receita (assinada por Boldrini com midazolam prescrito em nome de Edelvânia Wirganovicz, outra acusada de participação na morte de Bernardo. A perícia detectou presença do medicamento no corpo do garoto), e essa receita foi roubada do meu consultório, não foi preenchida por mim, não conheço essa Edelvânia, nunca atendi ela, nunca prescrevi medicação midazolam para ela.

O senhor tinha receitas assinadas em branco?

Às vezes, a secretária dizia: “Doutor, vai vir o seu João trocar a receita”. Eu assinava, mas era específica para a pessoa. Não é que eu deixasse no consultório 20 receitas assinadas. Era controlado.

O senhor nunca tinha visto Edelvânia, que confessou o crime e indicou onde estava o corpo de seu filho?

Não. Ouvi falar dela um tempo atrás, que elas (Edelvânia e a mulher de Boldrini, Graciele Ugulini) eram colegas em Frederico Westphalen. Ouvi da Kelly (apelido de Graciele), que eram amigas. Pessoalmente, eu não a conhecia.

O senhor não percebeu nada diferente no comportamento de sua mulher depois do desaparecimento do seu filho?

Ela se manteve totalmente dissimulada, não esboçando reação nenhuma. Era uma face dela que eu não conhecia, apesar de a gente ter convivido por quatro anos. Um comportamento de frieza, como se nada tivesse acontecido. Não conhecia esse lado dela.

Graciele lhe pediu dinheiro naquela semana? O senhor notou movimentação na conta (a investigação comprovou que Graciele pagou R$ 6 mil a Edelvânia dias antes de Bernardo ser morto)?

Não. Na conta do Banco do Brasil qualquer movimentação expressiva vem por mensagem para o meu celular. A compra da TV naquela sexta veio para o meu celular, com a mensagem de R$ 1,4 mil. Um pouco de dinheiro sempre tinha em casa. Na conta da clínica, não circulava muito dinheiro, mas ela tinha acesso.

O senhor saiu da cidade no sábado, dia 5 de abril, para ir a uma festa. Não pensou em falar com seu filho na casa de amigos. Foi natural viajar sem contato com ele?

Foi uma coisa natural. Eu tinha informação de que ele estava na casa do Lucas, tentei fazer uma ligação do meu celular para o dele, mas não se completou. O Bernardo carregava o celular no USB do computador, ele tinha perdido o carregador. Às vezes, deixava o celular em casa sem bateria ou levava, mas também sem bateria. Naquele sábado, fazia um mês que eu estava trabalhando no sobreaviso no hospital.

A polícia aponta que o senhor comentou, ao procurar Bernardo, que ele tinha saído sem celular. Mesmo sabendo disso, o senhor diz que tentou contato com ele por telefone.

Eu não sabia. Se isso foi dito, foi aleatório. Ele poderia ter levado, como poderia não ter levado. Podia ter deixado dentro da mochila descarregado. A gente sempre tinha uma comunicação, quase que diária. Como ele estudava cedo, meu celular despertava 6h45min, eu via que o Bernardo não estava se mexendo para ir para escola, eu mesmo, do meu, ligava para ele. Por isso, liguei para ele na sexta, no sábado, no domingo. Ele sabia ligar a cobrar para mim.

A partir de depoimentos, a polícia concluiu que o senhor não costumava buscar Bernardo na casa de amigos. Por que o senhor foi procurá-lo no domingo, dia 6?

O trato era de que 18h, 19h ele tinha de estar em casa. Bernardo tinha saído sexta-feira de casa. Eu disse: se o Bernardo não chegar, vou buscá-lo. Fiquei esperando até que decidi passar no hospital e ir na casa do Lucas (segundo versão de Graciele, Bernardo teria ido passar o fim de semana na casa do amigo). Saí do hospital e fui ao restaurante do pai do Lucas, que fica a uma quadra Já teve vezes em que o Lucas e o Bernardo ficavam no restaurante. Então fui lá perguntar pelo Bernardo.

O senhor não se preocupava com o fato de Bernardo passar dias fora de casa? Passar 10, 15 dias na casa de outras famílias?

Isso nunca aconteceu. O máximo que ele podia ficar era esse período de sexta até domingo de tarde. Dia de semana eu não deixava. Nos Petry (casal amigo de Bernardo), uma vez que eu fui fazer um curso de cirurgia em Curitiba, ele chegou a ficar uma semana. Ele ficou na casa da Ju Petry por escolha dele. Mas não que eu não me preocupasse.

O senhor foi procurado pelo Conselho Tutelar e teria resistido a receber acompanhamento. Segundo conselheiros, o senhor disse que criaria o Bernardo do seu jeito. É verdade?

A primeira vez, o conselho me abordou de uma maneira, falando coisas que não tinha como eu ter feito. Eu tinha tido uma operação urológica, e a conselheira tutelar veio dizer que o Bernardo relatou ter visto cenas adultas, de sexo. Tinha feito uma cirurgia, não podia ser. Isso é inverídico. Ele viu uma cena de namoro e interpretou mal, da forma dele, e relatou ao conselho. Houve outra abordagem em que veio o conselheiro e uma assistente social. A assistente social foi bem grosseira, chegou com tom de voz exaltado. Eu perdi a paciência.

Mas o que lhe falaram, que Bernardo vagava pelas ruas, ficava fora de casa e reclamava de falta de carinho?

É, todas essas questões assim de que não tinha o que comer, coisas sem substrato. A gente proibia ele de abrir conta em restaurante e barzinho. Se ele quisesse alguma coisa era só pedir que era dada. De nenhuma maneira o Bernardo andava sem roupa, sem comida, pedindo dinheiro. É absurdo.

Ele tinha característica de pedir coisas para pessoas fora de casa?

Não era uma criança suplicante, que pedia porque não ganhava em casa. Às vezes, podia até ser influência dos colegas.

Há relatos de que Bernardo ia sem lanche para escola. Não é verdade.

Quem cuidava do lanche de Bernardo?

Era a Kelly, eu também e a empregada. Lembro que a empregada sempre deixava sanduíche pronto para ele levar ou ele levava dinheiro para comprar lanche e refri. Até mesmo a gente comprava fardo de refri de 100 ml. Às vezes, pelo fato de ele sair correndo, não dava tempo de pegar o lanche. Pode ter acontecido de ter saído sem tomar café, sem pegar o lanche e dizer para alguém que estava com fome.

O senhor não percebia que Graciele implicava com Bernardo? Ele se queixou de ser maltratado por ela.

A implicância era assim: a Graciele pedia para ele ter mais cuidado com a leitura, o estudo, a higiene pessoal, o aparelho dentário, os óculos, a organização do quarto. Essa questão de ele ficar mais em casa ou não, a gente achava que as pessoas davam atenção, gostavam que ele fosse lá. Teve finais de semana em que eu estava de folga e combinava de fazer tal coisa de tarde, a gente estava almoçando, vinha uma família e já convidava ele para ir junto numa festinha.

Ele tinha muitas amizades na cidade?

Era uma criança querida, todo mundo gostava dele, era de fácil relacionamento com as pessoas.

Mas e a relação com Graciele, o senhor notava que havia briga entre eles?

Nos últimos tempos, isso começou a ficar uma coisa mais severa.

Discussões?

O Bernardo, em vez de ficar no quarto fazendo leitura ou tema, descia e ficava com a empregada na cozinha. Isso a Graciele não queria, dizia: “Bernardo, vai para teu quarto, vamos despedir as empregadas porque tu fica rodean- do aí, o teu lugar é no teu quarto fazendo tuas atividades”.

Eles brigavam?

Não chegavam a se ofender. Quando eles batiam boca, eu estava junto, era o momento que eu dizia para eles se acalmarem. Dizia que a gente era uma família e tinha que haver respeito.

Como era a sua relação com seu filho?

O Bernardo não tolerava frustração, isso tirava ele do sério. Se ele tinha combinado uma coisa e não dava certo, ele ficava furioso. Parece que não tolerava frustrações. Eu tentei algumas vezes aplicar castigo, tirar o computador, ele ficava uma fera.

Como o senhor lidava com isso?

Tentava explicar o por que daquilo, mas chegava num ponto que eu cedia. Se ele decidia do jeito dele, tinha que ser. Depois, as coisas se acalmavam, a gente conseguia dialogar. Eu nunca fui de espancar, de bater nele, de violência. Sempre trabalhava nessa questão do psicológico.

Ele tomava remédios controlados. Por quê? Qual era o diagnóstico?

Um dos problemas era o déficit de atenção. E o outro, que ele mesmo falou para o psiquiatra, que ele queria tirar aquela raiva que tinha dentro dele, a explosão de raiva.

O senhor tinha controle sobre o tratamento? A investigação apontou que Bernardo tinha remédios controlados na mochila.

Era controlado. O remédio que tomava duas vezes por dia ele ganhava os dois comprimidos. O vidro do xarope ele tinha discernimento do quanto precisava tomar.

O senhor disse que, nos últimos tempos, a relação de Graciele com Bernardo havia piorado. O senhor vê um motivo para isso?

A Graciele e a Maria (Maria Valentina, de um ano e meio, filha de Boldrini com Graciele) criaram uma bolha em que queriam atenção. O Bernardo também queria minha atenção. A Kelly superprotegia a Maria e dizia que tinha pena de mim pelo fato de o Bernardo não ter puxado nada de mim, a calma, a serenidade. Acredito que seja esse tipo de coisa. A Graciele viu que estava perdendo espaço, que eu não era um pai que estava dando atenção exclusiva para a nova família. Minha ideia era termos uma família, que incluía eu, a Kelly, o Bernardo e a Maria Valentina. Os quatro elementos.

Isso se acentuou depois da ida à Justiça, quando o senhor se comprometeu a resgatar a relação com Bernardo?

Depois da audiência, sentei com eles três, principalmente com ela (Graciele), e disse: “Vamos dar mais atenção para o Bernardo, porque a coisa está ficando numa situação que já está a nível de Justiça. Vou procurar fazer alguma coisa da minha parte”. Foi a partir disso aí.

O que o senhor sentiu quando soube que Bernardo havia ido ao Fórum sozinho para se queixar do tratamento em casa e dizer que queria morar com outra família, e que teria uma audiência sobre isso? Teve raiva dele?

Fiquei apavorado, levei um susto. Imagina, um oficial de Justiça apresentar intimação, você réu num processo sobre questão da guarda do filho. Pensei: “Meu Deus, mas o que está acontecendo”. Eu fazendo exames, trabalhando e, às 9h45min, chega um oficial de Justiça e diz: “Doutor, isso é a respeito de uma audiência com o Bernardo, da guarda dele, o senhor tem que estar lá às 11h”. Eu disse: “Bah, vou ter que ir lá”. Fui atrás de um advogado, consegui achar por acaso uma advogada para me acompanhar. Foi uma coisa que me deu um susto.

Como foi a audiência?

O juiz conversou, explicou toda a questão, depois a promotora também. Na verdade, foi uma conversa, não foi uma audiência. A gente chegou a um acordo.

O que o juiz lhe pediu?

Pediu que eu desse mais atenção para o Bernardo, que eu me voltasse mais para ele. Que a queixa do Bernardo era essa aí, ele queria mais carinho, mais atenção. Me propus a fazer isso. Entendi a situação, vi que a coisa precisava que eu tomasse uma atitude. A gente conversou. Disse que, mesmo que eu cedesse da minha parte, a gente ia continuar cobrando dele coisas das questões pessoais, higiene, dentista, da escola, principalmente escola.

O que o Bernardo falou na frente do juiz e da promotora?

Ele foi chamado por último, ele falou pouca coisa, quase não falou. Ele sentou numa cadeira lá, assim, com uma cara que parecia que estava um pouco assustado com toda aquela situação, ele não dialogou. Só o pessoal do Judiciá- rio explicou o que a gente tinha conversado e que dali a três meses ia se fazer nova audiência para ver como as coisas estavam.

Vocês saíram do fórum juntos? O que conversaram?

Não conversei nada, até por orientação do juiz. E eu também não tinha intenção de xingar ele por ter ido lá. A mensagem que eu passei para ele, foi: “Você tem de entender que as coisas se resolvem dentro de casa”. Essa foi a mensagem, não de xingar, de dizer que ele fez uma coisa que não devia fazer ou de ser grosseiro.

O senhor passou essa mensagem para o Bernardo. Como foi com a Graciele? Ela ficou brava com a situação, com Bernardo?

Ela disse assim: “Vamos instalar câmeras por toda a casa para ver realmente o que acontece aqui dentro, daí o Bernardo vai lá, fala tudo isso para a promotora e o juiz, aí eles vão saber real- mente o que acontece, que eu mando o Bernardo estudar e ele não vai, que ele chega da escola e deixa a mochila aqui e não carrega para cima, eles vão conhecer realmente os fatos”. O que eu recordo dela foi isso, “vamos encher de câmera e depois mostrar para o Judiciário o que realmente acontece”.

Vocês chegaram a instalar as câmeras na casa?

Não, não. Ela disse: “Eles não sabem o que realmente acontece aqui dentro de casa e agora vêm querer tomar atitudes”.

Foi levantada a suspeita de que o senhor e o juiz tinham relação de amizade, o que poderia ter beneficiado o senhor na decisão. Tinham mesmo?

Não tinha relação de amizade, um não frequentava a casa do outro, só se conhecia de vista da cidade, cidade pequena.

Depois dessa audiência com o juiz, sua relação com Bernardo mudou?

Mudou. Eu disse: “Bernardo, você vai começar a ficar mais tempo em casa. Eu não vou te proibir de sair, mas você vai num dia e vai voltar no outro. Tem que ficar mais em casa”. Fui no colégio ver por que ele não tinha paciência de ficar sentado e escutar o professor. Aos domingos, a gente começou a sair mais, levava ele para passear no aeroporto e ver pessoal com avião de controle remoto. Outro domingo a gente viu paraglider motorizado.

A Graciele participava dessas atividades?

Teve uma vez que ela foi. Matriculei ele no inglês, eu e ele nos matriculamos. Fui na dentista para continuar com o tratamento dentário dele.

Tem informação de que ele tinha problemas com esse tratamento, que a Graciele dizia ser contra e não o ajudava.

Ele perdia as partes do aparelho, não usava. Essa era a questão. Ela dizia “o que adianta estar gastando dinheiro com isso?”.

No inquérito, depoimentos informam que Bernardo não tinha a chave de casa nem o controle do portão, que costumava ficar na rua até alguém abrir A polícia afirmou isso também.

Ele tinha controle que abre o portão e a porta. Tinha a senha do alarme monitorado. Às vezes, me lembro de eu chegar final da tarde e ele mesmo abrir o portão para mim. Eu dizia: “Bernardo, por que você não está dentro de casa?” Ele dizia que não queria ficar sozinho dentro de casa. Ele tinha chave.

É verdade que Bernardo era impedido de conviver, de brincar com a irmã?

Ela (Graciele) tinha bastante restrição. Dizia que o Bernardo estava com as mãos sujas, que não lavava o rosto e queria tocar nela. Ela superprotegia como se a menina pudesse pegar doença.

O Bernardo foi um filho planejado? Foi planejado, sim.

E a Maria Valentina?

Também foi, porque a Graciele já estava na faixa dos 35 anos. Quando eu estava com a Odilaine (primeira mulher, morta em 2010) e tinha o Bernardo, já de sete anos, a gente tinha decidido ter só ele. Com a Graciele, bom, a família para ser completa tem que ter filho. Ela veio com essa opção, eu concordei.

Há depoimentos informando que Bernardo andava malvestido, tinha roupas velhas, não tinha casaco para frio e que usava um tênis velho seu, maior que o número dele. É verdade?

Não é verdade. Isso do tênis foi um tênis que para mim não servia e casualmente eu disse “Bernardo, bota no teu pé, vamos ver como fica”. Ficou um pouco grande, não sei se ele usou uma ou duas vezes, foi um fato pontual, isolado. Ele tinha acesso a vestuário, não andava malvestido. Como a Ju Petry tem loja que fabrica o vestuário do colégio, não sei se o Bernardo pedia ou eles davam, mas a gente não precisava comprar roupa da escola. O Bernardo chegava e dizia: “Ganhei da tia Ju”. Isso favorecia para que ele tivesse acesso a essas roupas da escola. Quando a gente foi para Gramado, comprou roupa para ele. Quando eu ia nessas minhas viagens, a gente se lembrava dele e comprava.

O senhor impedia Bernardo de ver a avó materna?

Não, não impedia. Depois que a mãe dele morreu, teve uma audiência e eu falei na frente do juiz que ela podia ter contato com ele. Nas férias de verão (Bernardo passou as férias com a madrinha, que mora em Santa Maria, mesma cidade da avó materna. Ele se encontrou com a avó) eu disse para ele: “Visita tua avó.”

Seu primo disse que o senhor era um “pai desleixado”. O senhor se considera assim?

Desleixado acho que não. O que considero é que tinha muito trabalho, sempre sobrecarregado, não podia planejar nada. Além desse sobreaviso, tinha os pacientes operados para ver e eu era o único cirurgião que ficava lá. Então eu não podia planejar nem de cortar a grama em casa, que parecia que ia começar e já te chamavam no hospital. O fator trabalho excessivo foi uma coisa que preponderou muito. E isso cansa, cansa.

Mas como o senhor se define como pai?

Como pai eu me considero uma pessoa que queria o melhor, que o Bernardo tivesse uma personalidade que levasse ele a ser alguém na vida, uma personalidade construtiva. A questão de carinho, eu dava do meu jeito, que sei dar. E essa questão do desleixo é uma interpretação errada. Você trabalha demais, tinha atenção para dar para a esposa, para a filha pequena, para o Bernardo. Hoje, avaliando isso, vejo que é impossível de fazer, de conciliar, eu tentei fazer, mas acabou dando problema. Eu funcionava como um moderador, acalmando a Graciele, acalmando o Bernardo. Parecia que eu ficava apartando o incêndio que estava por acontecer.

Apesar desse clima em casa, o senhor nunca percebeu que Graciele poderia representar perigo para o Bernardo?

Não, não. Ela nunca agrediu ele na minha frente. Ela ficava furiosa do jeito dela, mas saía. Jamais vi ela levantar o dedo para ele.

Alguma vez ela disse para o senhor que deviam se “livrar” de Bernardo porque ele era um incômodo?


Não, não. Pessoas contaram à polícia ter ouvido isso.