06
de junho de 2015 | N° 18185O
PRAZER
DAS PALAVRAS | Cláudio Moreno
Francês é chique – para quem sabe
LEITOR
CRITICA USO de frase em francês escrita em cartaz levado a Paris por comitiva
de gaúchos
A
comitiva gaúcha que esteve recentemente em Paris, onde aproveitou para divulgar
a Expointer, fez o leitor Arthur Z., de Pelotas, enviar uma inusitada consulta
a esta coluna. Escreve o leitor: “Mas que fiasco brabo, professor! Levaram um
cartaz com a frase Avec le champ, tous Etat se développe, achando que estavam
dizendo ‘Com o campo, todo Estado cresce’. Vi especialistas comentando no
jornal que isso é francês mais falso que uísque paraguaio, mas não mostraram a
forma correta. Embora não se trate da língua portuguesa, assim mesmo o senhor
podia dar uma mãozinha aqui?”. Posso, sim, caro Arthur, mas com extrema
cautela, porque não gosto de invadir seara alheia.
Não
sou especialista na língua de Montaigne, mas aposto um quilo de erva-mate que o
início desta frase já deixou os franceses atordoados. Para começar, campo,
aqui, pode ser entendido de duas maneiras: ou designa metaforicamente o
agronegócio (que era, suponho, a intenção de quem redigiu a frase), ou designa,
como no discurso de esquerda, os movimentos sociais de agricultores (lembro,
por exemplo, “O Grito do Campo”). Para o primeiro sentido, sempre vi usarem, em
francês, o plural champs (“les champs et l’industrie”, por exemplo), e duvido
que tenham entendido o que os autores do cartaz pretendiam.
A
escorregada mais grave, contudo, é gramatical – um erro bem visível, daqueles
que não se podem debitar a uma imprecisão de estilo. Tanto no francês quanto no
português, haveria duas formas corretas de construir a segunda parte da frase:
ou se escrevia “tous les Etats se développent” (“todos os Estados se
desenvolvem”), com o indefinido todo no plural, seguido de artigo, com o verbo
na terceira pessoal do plural; ou se escrevia “tout Etat se développe” (“todo Estado
se desenvolve”), com o indefinido todo no singular, sem artigo, com o verbo na
terceira do singular.
Tínhamos
duas chances de dar no prego, mas a autossuficiência amadorística dos
responsáveis fez com que déssemos bem na tábua, com aquele horripilante “tous
Etat se développe”, em que o plural do indefinido aparece brigando a coices com
o singular do substantivo Etat. Que papelão! Então uma comitiva atravessa o
Atlântico para mostrar a pujança e a modernidade do Rio Grande do Sul – e chega
lá com a meia rasgada e com uma casca de feijão no dente?
Há
fortes suspeitas de que a canhestra construção não brotou de cérebro de gente,
mas de um desses tradutores eletrônicos que, se chegam a ter alguma serventia
para a leitura inicial de um texto, jamais poderiam ser usados para a frase
central de uma campanha de marketing. Na Copa do Mundo, vimos os desastres
dessas traduções literais enchendo os cardápios dos restaurantes de pérolas
como against fillet (“contrafilé”), sun meat (“carne de sol”), beef-steak to
the horse (“filé a cavalo”) e iced kill (mate gelado).
Vá lá que asneiras como essas ocorram em botequins e quiosques de praia; o inadmissível é que partam de um órgão do governo que não teve a humildade suficiente para reconhecer sua ignorância quanto ao francês. Não sabem? Então perguntem a quem sabe. Não têm certeza? Então confiram com os especialistas. Só não nos rachem a cara de novo, por favor.
Vá lá que asneiras como essas ocorram em botequins e quiosques de praia; o inadmissível é que partam de um órgão do governo que não teve a humildade suficiente para reconhecer sua ignorância quanto ao francês. Não sabem? Então perguntem a quem sabe. Não têm certeza? Então confiram com os especialistas. Só não nos rachem a cara de novo, por favor.
*Cláudio
Moreno, escritor e professor, escreve quinzenalmente aos sábados