06
de junho de 2015 | N° 18185
NILSON
SOUZA
O MENINO DE BRONZE
No
centro do Rio de Janeiro, grita em silêncio a estátua do Pequeno Jornaleiro. O
monumento de bronze retrata um garoto andrajoso, de chapéu, com uma pilha de
jornais amarrotados sob o braço esquerdo. A boca escancarada não deixa dúvida
de que ele está anunciando o seu produto – uma cena comum na época em que os
meninos trabalhavam e ninguém se importava com isso. Os brasileiros demoraram a
perceber e a coibir a exploração laboral da infância.
Fico
imaginando o que pensam as crianças de hoje quando passam pela Rua Sete de
Setembro, na capital fluminense, e deparam com o menino do grito mudo. Se um
adulto não explicar, certamente não entenderão. Primeiro, porque lhes parecerá
um ser de outro mundo, vestido daquele jeito. Segundo, porque terão dificuldade
para identificar os papéis que ele carrega. Jornal impresso, queiramos ou não,
é um habitante dos séculos passados, que resiste bravamente à sentença
tecnológica de virar monumento.
Foi
um diário popular em sua época que colocou o Menino Jornaleiro no cotidiano dos
cariocas. Durante o primeiro governo Vargas, o vespertino A Noite promoveu uma
verdadeira festa cívica para homenagear os vendedores de jornais, com direito a
desfile escolar e presença de autoridades da República. O discurso inaugural
foi feito pelo escritor Coelho Neto, que enalteceu o papel dos pequenos
jornaleiros no trabalho da imprensa.
O
menino de bronze inaugurou uma era da indústria da informação, caracterizada
pela transformação da manchete em sinal sonoro (a voz) e pela entrega da
notícia na mão do leitor. Ironicamente, é a mesma estratégia da era digital que
está sepultando o papel: notícias escritas, faladas, desenhadas, filmadas ou
transmitidas ao vivo, tudo na mão do leitor, com a instantaneidade do clic. Se
os pequenos jornaleiros não tivessem sido erradicados pelos avanços sociais e
pela legislação trabalhista, certamente o seriam pela tecnologia.
Mas
os meninos trabalhadores deram a sua contribuição para o jornalismo e para a
construção de um país mais moderno e mais democrático. Merecem a homenagem,
ainda que o grito de bronze, agora, só ecoe na memória de quem viveu e conheceu
aquele pedaço da história de todos nós.