segunda-feira, 18 de abril de 2022


18 DE ABRIL DE 2022
CLÁUDIA LAITANO

Duelo

Não é uma eleição, é um duelo.

De um lado, o cansativo nós contra eles, a exclusão, a xenofobia, o tribalismo, a anticiência e a nostalgia de uma harmonia social ilusória e irrecuperável. Do outro, a democracia liberal - aquela que não é perfeita, mas é a melhor que existe.

A disputa entre Marine Le Pen e Emmanuel Macron no próximo domingo, no segundo turno das eleições da França, não interessa apenas aos eleitores de lá, mas a todos que assistem, com aflição, aos avanços da extrema direita sobre corações e mentes dos seus contemporâneos. Foi assim com a eleição presidencial nos Estados Unidos, em 2020, e no Chile, em 2021. Vai ser assim no Brasil em outubro.

Não deixa de ser curioso que países tão diversos quanto França, Turquia, Estados Unidos, Hungria, Filipinas, Portugal, Chile, Reino Unido e Brasil estejam enfrentando um embate de concepções políticas e sociais (mas também morais, religiosas, culturais, climáticas, psicológicas e até sanitárias) com tantos elementos em comum. São essas bizarras afinidades eletivas que aproximam Bolsonaro de figuras como Trump, Putin, Orban, Erdogan e Le Pen. É como se a única mercadoria realmente globalizada em 2022 fosse o kit guerra cultural adotado por líderes políticos com talento para manipular diferenças e ressentimentos locais em proveito dos próprios interesses.

Um artigo do comentarista político David Brooks, publicado no New York Times na semana passada ("Globalization is over. The global culture wars have begun"), analisa o fenômeno da globalização das guerras culturais atualmente em curso. Brooks, como eu, faz parte de uma geração que chegou à vida adulta no período que ele define como "breves férias da História", nos anos 1990, quando o fim da Guerra Fria, a popularização da internet e a globalização da economia deram origem a uma ingênua expectativa de convergência em torno de valores considerados potencialmente universais - como pluralismo e direitos humanos. 

Faltou combinar com os russos (mas não só com eles). Enquanto parte do mundo apostava todas suas fichas nos direitos individuais (liberdade, secularismo e ciência, mas também consumo, desperdício, individualismo), a outra escolhia a coesão de sua tribo como o valor acima de todos os outros (tradição, religião e ordem, mas também exclusão, autoritarismo e negacionismo).

Essa guerra ainda está longe do fim, e todas batalhas são duras e fratricidas. Não sei vocês, mas no próximo domingo vou torcer por Emmanuel Macron como se o futuro do planeta dependesse de cada vitória da democracia contra seus rivais iliberais e antidemocráticos. E talvez dependa mesmo.

CLÁUDIA LAITANO

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