segunda-feira, 2 de janeiro de 2023


02 DE JANEIRO DE 2023
CERIMÔNIA EM BRASÍLIA

Lula defende a democracia e o combate à desigualdade

Presidente se emociona ao receber faixa e ao falar sobre volta da fome. Ressalta conciliação do país e critica governo anterior

Luiz Inácio Lula da Silva tomou posse na tórrida tarde de ontem, em Brasília, aos 77 anos, como o primeiro brasileiro a ser eleito três vezes presidente da República pelo voto direto.

Em meio a uma cerimônia marcada pelo clima pacífico, garantido por forte esquema de segurança, Lula se dirigiu ao país para reafirmar o compromisso com a democracia, com o combate às desigualdades sociais, e para promover a conciliação nacional depois de campanha eleitoral que legou um país dividido politicamente. Emocionado, chorou ao receber a faixa presidencial de um grupo de cidadãos e ao mencionar o cenário de fome que assola parte da sociedade brasileira no parlatório da Praça dos Três Poderes.

- Sob os ventos da redemocratização, dizíamos "ditadura nunca mais". Hoje, depois do terrível desafio que superamos, devemos dizer "democracia para sempre" - afirmou Lula em seu primeiro pronunciamento oficial, após assinar o termo de posse no Congresso.

Além de defender o respeito à vontade popular, o novo ocupante do Palácio do Planalto se dedicou desde o início da cerimônia de transmissão do poder a estabelecer as linhas gerais de seu próximo mandato, que terá o slogan "União e reconstrução". O percurso de Lula até o Planalto, cumprido pouco mais de três anos após deixar uma cela no prédio da Polícia Federal em Curitiba, em uma das maiores reviravoltas políticas da história brasileira, começou às 14h20min. Foi quando deixou o hotel em que se encontrava hospedado rumo à Catedral de Brasília, onde subiu no tradicional Rolls Royce para iniciar o cortejo até o Congresso.

De carro aberto, ao lado da mulher Rosângela da Silva, a Janja, do vice Geraldo Alckmin e de sua esposa, Lu Alckmin, desfilou acenando para a multidão que acompanhava o trajeto. Recebido pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara, Arthur Lira, o grupo seguiu ao plenário para a leitura e a assinatura do termo de posse. Oficializado presidente de papel passado, celebrou o processo democrático diversas vezes em seu primeiro pronunciamento:

- Se estamos aqui, é graças à consciência política da sociedade brasileira e à frente democrática que formamos. Foi a democracia a grande vitoriosa, superando a maior mobilização de recursos públicos e privados que já se viu, as mais violentas ameaças à liberdade do voto.

Medidas

Entre as primeiras iniciativas a serem adotadas, reafirmou a determinação de acabar com o teto de gastos - mas sob promessa de manter o "realismo orçamentário" - e confirmou a revogação de decretos que favoreceram o acesso da população às armas ao longo dos últimos quatro anos (leia mais na página 8).

- O Brasil não quer mais armas, quer paz e segurança para seu povo - sustentou Lula.

Entre outras medidas anunciadas, prometeu respeitar a Lei de Acesso à Informação, que garante acesso público a dados oficiais, elaborar um novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) diante de um cenário de 14 mil obras paradas no país, revigorar programas sociais como o Minha Casa, Minha Vida, proteger o ambiente, incluir "os trabalhadores e os mais pobres no orçamento" e combater desigualdades de raça e de gênero.

Disse ter a meta de "reconstruir o país e fazer novamente um Brasil de todos e para todos". A estratégia foi fazer um discurso mais crítico ao antecessor Jair Bolsonaro no Congresso, e privilegiar os apelos por união nacional no pronunciamento que seria feito pouco depois no parlatório do Planalto.

- O diagnóstico que recebemos do Gabinete de Transição é estarrecedor. Esvaziaram os recursos da saúde. Desmontaram a educação, a cultura, ciência e tecnologia. Destruíram a proteção ao meio ambiente. Não deixaram recursos para a merenda escolar, a vacinação, a segurança pública - declarou.

Após passar em revista as tropas das Forças Armadas e embarcar novamente no Rolls Royce, a comitiva chegou pouco antes das 18h ao Palácio do Planalto. Com a cadela Resistência (referência ao período das vigílias em Curitiba, onde ela foi adotada) na coleira, Lula subiu a rampa a fim de receber a faixa presidencial por meio de um protocolo inédito. Como Bolsonaro havia deixado o cargo e o país dois dias antes rumo aos EUA, coube a um grupo de cidadãos comuns representativo da sociedade brasileira alcançar o adereço simbólico (leia mais na página 7). Ao colocar a peça sobre o peito, Lula se emocionou e chegou a chorar.

O presidente voltaria a verter lágrimas alguns instantes depois ao falar, do parlatório, para a multidão à sua frente. A primeira manifestação em público como presidente empossado começou com mais uma referência ao período do cárcere no Paraná - quando era saudado diariamente por gritos em uníssono de "bom dia", "boa tarde" e "boa noite, presidente" de apoiadores acampados nas proximidades.

- Boa tarde, povo brasileiro - disse Lula, devolvendo o gesto como novo comandante do país.

À frente do Planalto, o foco das declarações do presidente passou a ser a necessidade de apaziguar um país rachado politicamente e reequilibrar profundas desigualdades sociais:

- Vou governar para os 215 milhões de brasileiros e brasileiras, e não apenas para quem votou em mim. Vou governar para todas e todos, olhando para o nosso luminoso futuro em comum, e não pelo retrovisor do passado. A ninguém interessa um país em permanente pé de guerra, ou uma família vivendo em desarmonia. É hora de reatarmos os laços com amigos e familiares, rompidos pelo discurso de ódio e pela disseminação de tantas mentiras. O povo brasileiro rejeita a violência de uma pequena minoria.

Lágrimas

Às lágrimas, precisou interromper o discurso por alguns segundos quando abordou o tema da volta da fome no país.

- Há muito tempo não víamos tamanho abandono e desalento nas ruas. Mães garimpando lixo, em busca do alimento para seus filhos. Famílias inteiras dormindo ao relento, enfrentando o frio, a chuva e o medo. Fila na porta dos açougues, em busca de ossos para aliviar a fome. E, ao mesmo tempo, filas de espera para a compra de jatinhos particulares. Tamanho abismo social é um obstáculo à construção de uma sociedade justa e democrática, e de uma economia próspera e moderna - sustentou.

Observou que hoje, no Brasil, apenas 5% da população no topo da pirâmide social detêm a mesma fatia de renda dos 95% restantes. Enfatizou, novamente, a necessidade de sanar injustiças relacionadas a gênero ou raça - razões às quais atribuiu a criação dos ministérios da Igualdade Racial e das Mulheres. Também recordou iniciativas de suas gestões anteriores, como o combate à fome e a promoção do desenvolvimento econômico, e rechaçou temores de irresponsabilidade fiscal:

- Nos nossos governos, nunca houve nem haverá gastança alguma. Sempre investimos, e voltaremos a investir, em nosso bem mais precioso: o povo brasileiro.

 MARCELO GONZATTO

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