sábado, 23 de setembro de 2023


23 DE SETEMBRO DE 2023
MARCELO RECH

O promotor Benjamin

Nem Lula e nem ninguém precisa ir longe para entender o significado do Tribunal Penal Internacional, o TPI, que o presidente desdenha por ter emitido uma ordem de prisão contra Vladimir Putin. Basta conferir o documentário Homens Comuns, o Holocausto Esquecido, em exibição na Netflix, que inclui o depoimento de Benjamin Ferencz, promotor-chefe no julgamento em Nuremberg dos Einsatzgruppen, unidades móveis de extermínio que assassinaram a tiros mais de 2 milhões de judeus na Europa Oriental entre 1941 e 1944.

Morto em abril passado aos 103 anos, Benjamin é um dos pais do TPI, também conhecido como Tribunal de Haia. Filho de uma família judia que emigrou da Hungria para os EUA, ele se formou em Harvard e, como soldado, testemunhou os horrores do nazismo ao participar da liberação de campos de concentração. Convidado a atuar no Tribunal de Nuremberg, Benjamin conseguiu a condenação de 24 comandantes dos Einsatzgruppen.

O documentário não alinha apenas uma sucessão de atrocidades dos grupos de execução, como mandar mães colocarem bebês ao peito para, com um só tiro, economizarem munição. Ele esquadrinha a atuação de uma destas unidades, composta por pessoas normais, como padeiros e encanadores, que já tinham passado da idade para a linha de frente.

Os perpetradores do maior assassinato da história não necessariamente cumpriam ordens. Seus comandantes davam a eles a opção de se recusarem a apertar o gatilho contra homens, mulheres e crianças indefesos. Poucos se dispensaram da tarefa, numa terrível evidência de que pessoas comuns podem ser levadas facilmente a cometer atrocidades.

Diante do que viu, Benjamin propôs e lutou pela criação de um tribunal permanente que enfrentasse crimes contra a humanidade e genocídios, como a transferência de milhares de crianças de áreas ocupadas na Ucrânia para russificá-las, motivo que levou à ordem de prisão de Putin. EUA, China e Rússia não ratificaram o Tratado de Roma, que criou o Tribunal de Haia, mas o Brasil e mais outros 122 países, sim.

Lula proferiu grossas asneiras ao assegurar que Putin não seria preso ao pisar em solo brasileiro e ao ameaçar deixar o tratado. Para tanto, teria de passar por cima do Judiciário e do Congresso. De um lado, cabe a um juiz determinar a prisão e envio a Haia de procurados pelo tribunal. De outro, cabe ao Congresso, que inseriu na Constituição a adesão do Brasil, uma eventual e improvável revisão.

Lula recuou da fala e deu um passo à frente ao aceitar olhar no olho o presidente do país invadido, Volodmir Zelensky. Mas ainda demonstra não ter ideia do significado do Tribunal de Haia. Seria melhor que usasse seu prestígio para conseguir novas adesões e que ele e toda a humanidade conhecessem e respeitassem o fruto legado por Benjamin Ferencz.

MARCELO RECH

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