quinta-feira, 19 de outubro de 2023


19 DE OUTUBRO DE 2023
CARPINEJAR

Casal da mesma geração 

Qualquer casal com diferença de idade chama atenção, monopoliza a conversa, atrai a curiosidade, ainda mais se apresenta mais de 20 anos de distância entre um e outro. Você já percebe a maldade de comentários:

- Poderia ser seu pai!

- Poderia ser sua mãe!

- Poderia ser sua filha!

- Poderia ser seu filho!

Amor se faz pelo tempo emocional, pelo emparelhamento da maturidade, não é ditado pelo tempo cronológico. A inveja sempre busca boicotar romances, como se houvesse, por trás da aparência feliz, oportunismo, segundas intenções e interesses espúrios.

Pela preferência às polêmicas e às fofocas, pouco se diz sobre as vantagens de ser casado com quem é da mesma geração. Eu me sinto afortunado, abençoado com Beatriz. Existe uma beleza secreta na cumplicidade. Uma parceria de gargalhadas e suspiros reforçada por datas e lembranças mútuas.

Nascemos nos anos 1970. Jamais ela faz piadas de que estou velho, ou zomba do meu condicionamento físico, ou censura alguma evocação do passado, tratando-me como um espécime em extinção. Tampouco ocorre a soberba da experiência com frases como "você ainda nem tinha nascido".

Predomina um respeito por tudo o que sou, passei e sofri. Não discutimos por conflito de gerações, muito menos por rivalidade de quem é mais atual. Confessamos o cansaço com facilidade, avisamos que nos encontramos com sono no maior desembaraço. Não pecamos pelas cerimônias das expectativas. Nenhum dos dois quer provar que é melhor, mais resistente, mais jovial.

A performance não é maior do que a sinceridade. Nosso pique é parecido, sem cobranças, indiretas e constrangimentos. Concordaremos na hora de ir embora de uma festa, de uma balada, com aquele nosso olhar telepático de que já deu o que tinha que dar.

Ela me ajuda a completar as palavras cruzadas, eu a amparo com sinônimos. Ela perdoa minhas falhas e limitações, pois também passa por semelhantes desafios da maturidade. Quando esqueço uma banda, ou um programa de TV, ou um hábito antigo, tenho a quem perguntar. Minha esposa é o meu Google. Não aponto ao céu para mostrar meu planeta, sequer me vejo datado.

Não preciso explicar quem foram os Menudos, ou que a Cuca do Sítio do Pica-Pau Amarelo era um jacaré com peruca, ou que ligávamos a TV sem controle remoto.

Ela virou os LPs tanto quanto eu, ela gravou músicas diretamente da rádio em fitas cassete tanto quanto eu, ela decorou as janelas do quarto com adesivos tanto quanto eu, ela usou broches em coletes tanto quanto eu, ela carregou fichas telefônicas nos bolsos para falar em orelhões tanto quanto eu, ela cursou datilografia assim como eu.

Nossa intimidade diminui a solidão do nascimento. Não corremos o risco de projeção de papéis familiares. É uma delícia amar alguém com idade igual. Predomina uma cultura em comum, que aumenta o repertório de piadas internas, e se partilha uma compreensão que é pura empatia de ter vivido junto. Entre nós, somos crianças. Somos amigos da infância todo dia.

CARPINEJAR

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