sábado, 21 de outubro de 2023


21 DE OUTUBRO DE 2023
CARPINEJAR

A secação ardilosa

Defendo a alegria da secação. Que seque meu time tranquilamente, numa boa, no conforto de sua poltrona, sem estresse, com a cervejinha e o amendoim ao lado.

É um direito do consumidor do Premiere. Entendo a flauta, a corneta, Rio Grande é feito de duas metades antagônicas.

A unanimidade não existe nem com o uso do VAR. Não devemos eliminar a saudável implicância quando envolve respeito e jamais culmina em retaliações a partir de roubos de bandeiras e faixas da torcida.

Refiro-me aos cidadãos de boa índole, àqueles que me xingam grosseiramente de suas sacadas e varandas.

Pois não reina o silêncio entre nós. No momento do gol adversário, meus vizinhos vivem gritando coisas impronunciáveis. Sei que são dirigidas para mim, o berro é um míssil teleguiado de palavrões para a minha janela.

Na manhã seguinte, os mesmos condôminos me cumprimentam cordialmente, como se nada tivesse acontecido. Eu perdoo o destempero dos vizinhos, a explosão vulcânica, a audiência apaixonada na partida televisionada de meu escrete, porque é uma rivalidade educada que consiste em falar mal pelas costas.

Você pode até me questionar: - Como ter certeza de que as ofensas são para mim? Não é paranoia, não é alucinação de uma perseguição, é que eu faço exatamente igual. Escrevo com conhecimento de causa - nossos reflexos tortos coincidem no espelho do elevador.

Mas o que não suporto na convivência entre azuis e vermelhos é o companheirismo forçado, a dissimulação do afeto, o abraço que é empurrão ao precipício. Não me conformo quando alguém do clube contrário alega que até torceu pelo meu time. Não é verossímil, não aconteceu nenhuma conversão milagrosa, o vinagre não beija perfumado de repente como o vinho.

Por mais que soe como complacência, é muita maldade com o meu destino de sofredor, já de cabeça baixa e barba grisalha. Repare que isso só é dito depois que o meu time perde. Sempre o comentário surge na derrota, no fracasso, no fiasco.

Jamais vem diante de uma glória absoluta, de uma vitória incontestável, para dividir aplausos e parabenizar pela atuação e campanha.

Na verdade, o compadre tem um desejo sorrateiro de me fustigar pelo avesso. Quer que eu abra o meu coração, incentiva o meu desabafo para que eu exorcize o quanto sofri.

Trata-se de um ardil. Dividindo falsamente os sintomas, pretende que eu revele o meu diagnóstico, que eu seja sincero fornecendo detalhes de minha jornada acidentada, de como a minha esperança tombou das alturas.

Mostra-se cúmplice no desconsolo, unicamente para comprovar e testemunhar a minha desilusão, colher provas da minha existência arrasada e depois sair rindo e avisando a todos os conhecidos que me encontro despedaçado. Não confio em simpatizantes vira-casacas.

CARPINEJAR

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