terça-feira, 24 de outubro de 2023


24 DE OUTUBRO DE 2023
CARPINEJAR

Paninhos essenciais da existência

Sou um homem dos paninhos. É uma religião, uma escola, uma linhagem genealógica. Não vivo sem os paninhos. É a minha Siri das tarefas domésticas, é a minha Alexa da realidade mais prosaica.

Devo ter aprendido da mãe. Mas não foi um conselho dito por ela - a orientação não veio em forma de palavras -, trata-se de um comportamento que foi observado, absorvido, adotado como regra de asseio e brilho das superfícies.

Talvez eu nunca tenha me curado do cueiro da infância, que me acompanhava ao lado, no berço. Talvez seja uma lembrança de conforto que levei inconscientemente para a vida adulta. Aquele cueiro servia para limpar a minha boca, como uma toalhinha das emergências, e também garantia o cheiro da intimidade e da proteção. Ele me acalmava mais do que um bico.

A questão é que até hoje não me desfaço dos trapos, dos restos das roupas, que podem servir para a limpeza e para a faxina. As camisas velhas, com as mangas compridas, são milagrosas para a cera no piso. As toalhas aposentadas, de felpas amansadas pelo tempo, são essenciais para o trabalho pesado do rodo.

Acima de todos os sudários, existem os paninhos. O mais importante é o da cozinha. Ele não é um Perfex provisório, é um retalho de um tecido de origem remota. Não sei por que o escolhi ou de onde veio. Está lá como meu fiel álibi, na amizade inquebrantável do silêncio: a única testemunha do meu capricho, do quanto me dedico para a casa e para a família.

É meu braço direito para expulsar a sujeira e deixar a pia em ordem. Ele dorme na torneira. Nunca sai do seu lugar, do seu trono areado de metal. Disponho de um pano de prato no ombro, para dar conta da louça, e do paninho fixo para cuidar da higiene do balcão na hora de cozinhar.

Se algum familiar tira meu paninho dali, ou o descarta acreditando que estava vencido e muito encardido, eu enlouqueço. É uma referência da minha rotina, um item básico da minha paz de espírito. Sinto como se tivesse perdido um documento de identidade, minha habilitação do fogão.

Do mesmo modo, tenho no carro um paninho laranja, que ponho perto do câmbio. Ele é um faz-tudo: acode-me quando derrubo chimarrão ou garrafinha de água, ajuda-me nas estradas do interior do Estado com neblina fechada, limpando o vidro e aumentando a minha visibilidade, ampara-me quando o volante está queimando depois de eu estacionar numa vaga com sol a pino, e ainda é útil para tirar as manchas de respingos nos retrovisores. Eu dirijo com tranquilidade com meu carona de pano, meu girassol de Van Gogh.

Não cheguei ao ponto de carregar um lenço no bolso para secar a careca, só que já estou pensando em completar a trinca de escudeiros. O suor na testa já vem me incomodando, ardendo os olhos. Será meu último paninho.

CARPINEJAR

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