sábado, 23 de dezembro de 2023


23 DE DEZEMBRO DE 2023
OPINIÃO DA RBS

A RADIOGRAFIA DO TRABALHO INFANTIL

Depois de três anos seguidos de redução, quando parecia que o Brasil estava vencendo um antigo inimigo que obstaculiza o futuro de muitos jovens, o trabalho infantil recrudesce no país. Foi o que mostrou a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua sobre o trabalho de crianças e adolescentes divulgada na última quarta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Até 2019, o levantamento iniciado em 2016 vinha mostrando retração no número de menores de 18 anos submetidos a atividades incondizentes com sua fase de desenvolvimento, mas o período da pandemia provocou um retrocesso na situação: o número de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil saltou de 1,76 milhão em 2019 para 1,9 milhão em 2022.

Ainda que as dificuldades impostas pela pandemia possam explicar parte do fenômeno, o levantamento revela um aspecto que torna o problema mais grave e preocupante: entre 2019 e 2022, a população de cinco a 17 anos diminuiu 1,4% no país - e mesmo assim o contingente de trabalhadores neste grupo etário aumentou 7%.

É evidente que o agravamento da deformação está relacionado com a queda de renda das famílias mais vulneráveis no período da pandemia, mas não se pode desconsiderar, também, uma questão cultural que ainda precisa ser mais bem trabalhada em nosso país. Muitas pessoas continuam achando que o ingresso precoce de meninos e meninas no mercado de trabalho, quase sempre na informalidade por causa da legislação, ajuda na sua educação. É um grande equívoco: crianças precisam ser protegidas, alimentadas, educadas, em casa e na escola, e precisam também desfrutar da infância com liberdade para brincar. Trabalho sistemático, mesmo que sejam tarefas domésticas, priva a criança de parte desses direitos.

Há, evidentemente, exceções compatíveis com a faixa etária se considerarmos que a definição de criança não é única para as organizações que atuam nesta área. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) considera criança "qualquer pessoa com menos de 18 anos de idade". Já o Estatuto da Criança e do Adolescente define criança como "pessoa com até 12 anos de idade incompletos". A legislação brasileira proíbe qualquer forma de trabalho antes dos 13 anos, mas admite que adolescente entre 14 e 15 anos atue como aprendiz e restringe para a faixa de 16 e 17 anos apenas o trabalho noturno, insalubre e perigoso.

Independentemente de interpretações técnicas, porém, o crescimento do contingente de crianças envolvidas com o trabalho degradante - perceptível inclusive nos sinais de trânsito das cidades maiores - é um retrocesso que exige revisão de políticas públicas e urgente interferência das autoridades para resgatá-las. Considerando-se o contexto social, não basta apenas devolvê-las à escola. É imprescindível, também, oferecer alternativas para que as famílias de baixa renda possam sobreviver sem o auxílio financeiro proveniente do trabalho que sacrifica a infância, como acaba de ser revelado em números pela constrangedora radiografia do IBGE.

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