13
de maio de 2015 | N° 18161
PEDRO
GONZAGA
O MOMENTO
POLAROIDE
Estamos
no centro do saguão da Fabico, meu amigo Tales Tommasini e eu, cabisbaixos, a
terminar de enferrujar os últimos copeques entre os dedos, pasmos com a notícia
de que o bar da faculdade será proibido de vender cerveja a partir da
meia-noite, e que nós, despreparados e estudantes, perderemos a saideira por
apenas R$ 2. Amaldiçoada a reitoria pela sobriedade compulsória, resta-nos
encontrar, como forma de alívio, um castigo maior do que o de nossas gargantas
secas.
Neste
instante, um carteiro entra no prédio e entrega a cada um de nós um envelope
lacrado. Abertos, revelam, cada qual em seu íntimo, uma foto polaroide. Antes
que eu possa ver a minha – canhotos e seu uso de pegar as coisas pelo lado
contrário –, o Tales me estende a sua. Alguém parecido com ele, só que mais
velho, com olheiras fundas, o rosto pálido à luz do computador. Na base, a data
escrita à mão (a letra é dele) indica 2006.
Estamos
em 1996.
Preciso
virar a minha, mas não tenho coragem.
Para
mim, o contato com a realidade sempre foi como tocar um pedaço de carne crua,
pegajosa e irrevogável. O que pensar de uma realidade futura? Ei-la: Estou
careca, tomando um sorvete com olhos tolos, sorrindo não sei por quê.
Nada
contra o sorvete, mas saber o que vai acontecer é uma pedra sobre a própria
ideia de futuro, sobre qualquer forma de imaginá-lo. Assim, pouco importa o
instante eleito para a foto. Qualquer instante cairia como uma condenação.
Acessório
dizer que não houve carteiro naquela noite. Por sorte, filamos uns goles,
enquanto desenvolvíamos a ideia do momento polaroide.
Contudo,
não há boa ideia que sobreviva sem desvios. Ao longo dos anos, minha
contribuição foi inverter-lhe as consequências: não um golpe vindo do futuro,
mas fotos tiradas no presente para escandalizar o passado, para não deixar
morrer os instantes absurdos em nossas existências triviais, registrados com a
exclusividade de uma só cópia, instantes tão contrários aos dos momentos Kodak,
esses sim assustadores, a qualquer tempo. O momento polaroide sabe que a
felicidade é um bem único, que jamais aceitaremos antes, mas que sempre
guardaremos depois, mesmo quando a impressão já vier esmaecida.