31
de maio de 2015 | N° 18179
CARPINEJAR
Sonhei com você
Ninguém
resiste a um sonhei com você. “Sonhei com você” cria uma cumplicidade imediata,
uma afinidade súbita. Mudamos o nosso olhar para a conversa e para o
interlocutor.
Pode
ser trova, pode ser chantagem emocional, mas é um recurso sedutor infalível. No
início da relação ou quando se é apenas amigo, o sonho é uma cantada que
desperta a curiosidade.
Você
procurará saber o que foi e o que estava fazendo no sonho de outra pessoa.
Mesmo os mais inteligentes e maduros, os mais céticos e descrentes, sucumbem à
estratégia.
É um
sinal claro de interesse e de disposição para começar algo, já que o
inconsciente criou uma memória em comum, uma memória a dois. Os homens, tarados
por sua natureza, imaginam que são sonhos eróticos e crescem seu apelo pelo
relato.
Não
se dá muita chance quando alguém diz que pensou em você, mas quando diz que
sonhou com você muda de figura e ganha toda a nossa atenção. O interrogatório
do que aconteceu na mente alheia é inevitável.
Adere-se
ao território das verdades secretas, aos símbolos do divã, à esfera mística das
casualidades inexplicáveis.
Como
contestar um sonho? Não tem como desmentir. Nem criamos oposição. Queremos, no
fundo, sermos sonhados, sermos conduzidos, receber sinais de anjos e de
cupidos.
Na
paixão, somos supersticiosos, somos místicos. Não marcamos encontros, abrimos
cartas de tarô na alma. Procuramos uma união que seja maior do que nossa força,
que seja uma fatalidade, um destino agendado de vidas passadas.
Trata-se
de uma facilidade sentimental, para não precisar justificar nossa escolha
diante dos amigos e parentes. Pois foi o destino que definiu, não a gente,
acabamos nos isentando de nossos gostos e predileções.
Se o
sonho serve para estabelecer proximidade, o pesadelo é o elo para recuperar os
laços.
Durante
a separação, no momento em que perdeu o contato com o ex e a ex e não conta com
pretexto para retomar o diálogo, o pesadelo vem como panaceia da saudade. Do
nada, pode mandar uma mensagem que sempre produzirá estrago: “Tive um pesadelo
com você. Está bem?”
É
óbvio que ganhará resposta. Pelo medo do castigo, da macumba e da maldição, e
também porque não há como deixar uma preocupação sobre a saúde no vácuo. Não
perceberá que ela e ele procuram somente notícias de sua condição, é uma
pescaria aleatória, com a meta de descobrir qual é o seu estágio de sofrimento.
O
objetivo é de menos. O pressentimento, ainda que ruim, demonstra falta e indica
uma forte ligação espiritual. Várias reconciliações se deram por um pesadelo
falso ou verdadeiro. Não há como se indispor, ainda que a briga tenha sido
épica e a ruptura justa.
O
pesadelo é o habeas corpus do amor.