21
de maio de 2015 | N° 18169
DAVID
COIMBRA
Como lidar com
comunistas
Na
minha aula, tem um espanhol meio comunista e um russo meio neoliberal. Eles se
implicam. Assistir às discussões deles é como assistir a debates da Maria do
Rosário com o Ronaldo Caiado, só que estando nos Estados Unidos. Às vezes, é
interessante. Às vezes, é um porre. O espanhol, naturalmente, usa sandálias e uma
bandana e está sempre falando em rich people.
Rich
people, rich people.
O
russo tem mais de 60 anos, é físico e faz tsc, tsc quando o espanhol fala de
socialismos:
–
Tsc, tsc, isso não funciona. Eu sei. Tsc, tsc.
Assim
começam todas as aulas. Sempre me mantive neutro nessa disputa ideológica,
aborrecido que estou com o melequento clássico Coxinhas versus Petralhas, mas,
nesta semana, aconteceu de um colombiano perguntar, não sei por que motivo,
qual era o maior goleiro da história do futebol. O russo saltou:
–
Yashin, o Pantera Negra!
Conheço
a história de Yashin. Antes dele, os goleiros nunca fincavam os pregos das
botinas além da risca de cal da pequena área. Yashin aventurava-se área afora,
interceptava o lance do atacante como se fosse um beque e jogava com os pés
como se fosse um meio-campista. Dizem que pegou 150 pênaltis e passou mais de
250 jogos sem tomar gol.
–
Pode ter sido mesmo o melhor – ponderei.
–
Como goleiro, sim – admitiu o espanhol. – Mas ninguém nunca foi maior do que
Messi.
– Nem
Maradona? – perguntou o russo.
–
Nem Maradona! – garantiu o espanhol, e ficou poetando sobre como Messi é um
pequeno tubarão que fica nadando pela intermediária até dar o bote mortal,
sobre como Messi apanha e não cai, sobre como Messi é maravilhoso em todos os
jogos, enquanto Maradona era maravilhoso em alguns jogos, sobre como ninguém
jamais se comparou a Messi e...
Aí
interrompi:
–
Peraí. E Pelé?
O
espanhol me devolveu um riso sarcástico:
–
Pelé era bom no passado. Hoje não seria tão bom.
Entesei
na cadeira:
–
Pelé ganhou três Copas do Mundo. Messi, nenhuma.
–
Isso não tem importância. Muitos medíocres ganharam Copas.
–
Pelé marcou mil duzentos e oitenta e quatro gols!
–
Até o fim da carreira, Messi vai marcar mais. Ele marcou 90 em só um ano, um
recorde.
–
Você já viu os lances do Pelé?
–
Você já viu os do Messi? Pelé nunca jogou fora do Brasil.
–
Era outra época. Naquele tempo, o Santos era o maior time do mundo. O maior
jogador do mundo tinha de estar no maior time do mundo.
– O
Barcelona é o maior time do mundo – rebateu, ainda me olhando com aquele
sorrisinho debochado.
Então
me irritei. Meus mais maldosos instintos fermentaram dentro de mim. Sorri de
volta para ele. E mandei:
– O
Barcelona só é grande por causa do capitalismo. O Santos tinha apenas jogadores
brasileiros, porque a globalização ainda não havia tomado conta do futebol. O
teu Barça é uma legião estrangeira, é um time montado a peso de euros, às
custas da opressão dos pobres. O Neymar, inclusive, foi pirateado do Santos pelos
capitalistas do teu time. O teu Barcelona só é o que é graças ao mercado livre
do futebol, ao liberalismo econômico. Pode agradecer ao capitalismo!
Ele
ficou vermelho. Parou de falar em inglês e começou a balbuciar em espanhol.
Olhei para o russo. O russo sorriu para mim. Olhou para o espanhol com uma
sobrancelha levantada. E sentenciou:
–
Tsc, tsc. Ao que acrescentei:
–
Tsc, tsc. Uma aliança russo-brasileira impôs mais uma derrota à hidra do
comunismo internacional.