15
de maio de 2015 | N° 18163
MARCOS
PIANGERS
Então, você vai ser
pai
Então,
você e sua companheira estão grávidos. Então, você sabe que precisa comprar uma
casa maior. Tem que ter mais espaço pra criança. Tem que ter mais um quarto no
apartamento. Tem que ter um berço novo, não pode ser aquele que a vizinha se
dispôs a emprestar. Então, você sabe que tem que trocar de carro. Aquele carro
não é confortável pra levar a família.
Aquele
carro não é seguro pro seu filho. Tem que ter seis airbags, no mínimo. Tem que
vir com ar-condicionado de fábrica. Coitado do bebê no verão.
Pai
novo, fiz tudo aquilo que me diziam, do apartamento maior ao carro quatro
portas, depois dos quais precisei trabalhar mais para poder dar conta das
prestações. Trabalhava mais pra poder pagar a melhor creche. No supermercado,
apenas a melhor fralda. Comprar a fralda mais barata significava amar menos meu
filho. Roupa do brechó, nem pensar. De brinquedos caros, nosso armário está
cheio. De culpa também, por ter que passar muito tempo no trabalho.
O
que aprendi é que não faz diferença alguma. Um apartamento grande não faz
diferença, porque as crianças gostam mesmo é de dormir amontoadas na cama dos
pais. Um carro grande não faz diferença, porque as crianças gostam mesmo é de
andar de bicicleta. A melhor creche não faz diferença, se você é o último pai a
buscar seu filho.
Os
brinquedos mais caros e os jogos de videogame não fazem diferença: para
crianças, não há nada mais divertido do que se equilibrar no meio-fio ou andar
na calçada sem pisar nos riscos. Jogar uma criança pro alto e agarrá-la antes
de cair no chão, está aí a melhor brincadeira do mundo para qualquer pequeno. E
tem a vantagem de ser de graça.
Adoro
aquela tirinha do Rafael Sica sobre o sujeito que está sempre no trabalho
pensando no bar. No bar, o sujeito está sempre pensando na família. Em casa,
com a família, o sujeito está sempre pensando no trabalho.
O
sujeito nunca está realmente onde ele está. Cria sempre algum tipo de ruído na
relação dele com as coisas. Esse cara sou eu, pensei quando vi a tirinha pela
primeira vez. Então, você e sua companheira estão grávidos. Então, você sabe
que não precisa de uma casa maior, de um carro melhor, nem da melhor fralda,
nem da melhor creche. Você sabe, no fundo, que só precisa estar lá. De verdade.