10 de maio de 2015 | N°
18158
CARPINEJAR
Imobilidade do inverno
Terrível no inverno não é passar
frio, mas tentar não passar frio.
É se antecipar ao desconforto do
vento e da tremedeira.
Passamos a estação inteira nos
adiantando para não sofrer e terminamos sofrendo o dobro.
Nunca conseguimos nos agasalhar
para o frio psicológico.
Planejamos um momento em que
estaremos protegidos que nunca chega. Sempre falta uma coisa que encerra o
aconchego que criamos detalhadamente.
É como se refugiar num abrigo
antiaéreo e deixar a sacola de mantimentos lá em cima. Subir ou não subir de
volta?
Quantas vezes já tremi a noite
inteira somente porque não desejava me levantar para buscar um edredom?
Dentro do sono, eu pensava: será
que vou ou não vou? E, por fim, dormia com a angústia da dúvida, tremendo,
chamando a gripe para conviver comigo.
Inverno é um dilema permanente,
um descuido irreversível.
Vou assistir a um filme na sala
com a minha mulher, preparamos pipoca e chocolate quente, puxamos o edredom,
demoramos para encontrar o lugarzinho ideal, para nos encaixar entre as
almofadas e o encosto, no instante em que alcançamos a perfeição alguém se dá
conta da ausência do sal. Qual será a alma caridosa a largar a fortaleza e
trazê-lo da cozinha? A tristeza é que – se um sair – recomeçará todo o
reposicionamento delicado que levou horas para ser feito.
A ânsia de não sofrer
contratempos supervaloriza o incômodo. A mania de querer uma situação ideal nos
põe em perigo.
Qualquer movimento em casa é
acampamento, com o medo permanente de sair do fundo da barraca após o esforço
de montá-la. É trazer tudo para não se mexer depois, mas sempre existe um
lapso.
Inverno é frustração, é distração
letal.
Quem já não enfrentou o banho
rápido, desafiou o gelo do lençol, friccionou seus pés com os pés da esposa,
abraçou forte sua companhia debaixo da montanha de cobertas, suspirou de
felicidade quando se enxergou novamente quente e, de repente, verifica que a persiana
tem uma fresta de luz? É preciso muita coragem para abandonar o acolhimento
custoso e reiniciar os trabalhos.
No inverno, por maior que seja a
cautela, esqueceremos algo.
Perderemos consecutivamente a
vantagem que adquirimos com a prevenção.
Basta encontrar uma posição para
se morrer feliz que seremos impelidos a ressuscitar.