30
de maio de 2015 | N° 18178 PALAVRA DE MÉDICO
J.J.
CAMARGO
Nunca estamos prontos para
perder
Não há um jeito padronizado de dizer o que ninguém
quer ouvir
A
reação das pessoas ao sofrimento tem sido um inesgotável manancial de pesquisa
sobre o comportamento das vítimas, e os seus extremos de tolerância e
abnegação. Um pastor adventista, trabalhando no Memorial General Hospital, um
grande centro de oncologia de Nova York, entrevistou 196 famílias que tinham
perdido parentes vitimados de câncer num período de 18 meses.
Uma
das perguntas repetidas a cada entrevistado buscava descobrir qual tinha sido o
momento mais inesquecivelmente sofrido daquela experiência dolorosa. Um dado
surpreendeu: quase 60% referiu que a falta de sensibilidade na comunicação da
morte havia suplantado a dor da própria perda. Deprimente que, tendo aprendido
tantas maneiras eficazes de prolongar a vida, não nos tenham ensinado como ser
solidários na hora da morte.
Um
dia desses, retomei essa discussão ao tentar socorrer um residente que, tendo
constatado um óbito na terapia intensiva, confessou sentir-se incapaz de
conversar com a família que aguardava por notícias na sala de espera. Nem a
previsibilidade do desfecho, repetidamente passada aos familiares que
acompanhavam a gravidade do caso, serviu para amenizar a ansiedade da
inexperiência.
Como,
de certa forma, tratamos nossa autoestima auxiliando pessoas que contam com
nosso desempenho, assumir que perdemos será sempre desagradável e deprimente.
Duas verdades transpareceram desse episódio: 1) ninguém gosta de dar notícia
ruim; 2) as nossas escolas médicas, com raras exceções, ainda não incluíram no
currículo a disciplina de cuidados paliativos que tem a missão de ensinar como
se transita nesse delicado campo das relações humanas, onde se exige uma
combinação de delicadeza e solidariedade para encarar uma realidade
irretocavelmente cruel e dolorosa.
Precisando
socorrer nosso jovem residente, fiquei buscando palavras e concluí que não há
um jeito padronizado de dizer o que ninguém quer ouvir. E que a morte, qualquer
que seja a circunstância, é a capitulação definitiva do nosso intento de
preservar a vida, porque, afinal, é esse esforço que nos estimula e impulsiona,
e, às vezes – e queríamos tanto que fossem mais frequentes –, orgulha-nos.
Por
isso, não acredite na frieza dos médicos, mesmo que alguns aparentem rigidez
absoluta. Todos nós perdemos pedaços mais ou menos dolorosos com essas mortes
miseráveis que insistem em atazanar nossa atividade e a reiterar a nossa frágil
condição de humanos. Muitas vezes, a indiferença é apenas uma máscara precária
para despistar o quanto sofremos.