23
de maio de 2015 | N° 18171
DAVID
COIMBRA
O que falta a Maria
Casadevall
Podem
me insultar, podem me vaiar, pouco se me dá, mas o que acho mesmo é que a
Casadevall ganha de 10 a
0 da Marquezine.
Dez
a zero, não deixo por menos.
A
Casadevall tem classe sem perder a sensualidade. Da Marquezine, você dirá que é
mais opulenta, tudo bem, admito que seja, mas a Marquezine, sei lá, parece
brejeira em demasia.
A
Marquezine perderá o encanto quando perder o viço. A Casadevall ainda é menina,
mas vê-se que será mulher, está quase lá. O que lhe faltará? Tenho de
descobrir.
A
Marquezine é o Rio, a Casadevall é Paris. A Marquezine é Nietzsche, a
Casadevall é Kant. A Marquezine é Dumas Pai, a Casadevall é Balzac.
A
Casadevall tem uma beleza mais versátil. Da Casadevall, pode-se dizer o que
disse Capote sobre a arte de escrever:
–
Meu objetivo é construir uma frase tão resistente e flexível quanto uma rede de
pescar.
Que
bela definição do que é um bom texto. Dostoiévski, outro grande texto, para
dizer o mínimo, porque Dostoiévski era mais do que um bom texto, ocorre que
Dostoiévski, ao ser perguntado acerca de escrever bem, respondeu:
– Se
você quer escrever bem, você tem de sofrer, sofrer, sofrer.
Dostoiévski
sofreu. Com os credores, que o perseguiam, e com a política, que quase o matou.
O curioso é que Dostoiévski não era um revolucionário, como um Bakunin, como um
Górki. Não. Dostoiévski gostava do czar. Era um coxinha. Mas se envolveu com
uns amigos que queriam derrubar o governo, participou de reuniões subversivas
mais por curiosidade do que por convicção, e foi aí que a polícia czarista o
prendeu.
Dostoiévski
foi condenado à morte.
Levaram-no
para a frente do pelotão de fuzilamento.
Vendaram-lhe
os olhos, as mãos amarradas às costas.
O
comandante gritou “preparar... apontar...”. Na hora do “fogo”, um cavaleiro
entrou a galope no pátio e anunciou que o czar havia concedido o perdão ao
escritor. Tudo montado para dar um susto em Dostoiévski, que saiu de lá agradecido
ao soberano, mas deportado para a Sibéria.
O
sofrimento burilou o verbo de Dostoiévski, cevou a misoginia genial de
Schopenhauer, que só tinha mulher a soldo, fermentou a rebeldia de Marx, que
dizia que os capitalistas lamentariam até a morte por seus furúnculos, encorpou
a coragem de Churchill, que chamava a depressão de seu “cão negro”, tornou
sublime a arte de Leonardo, que foi preso por homossexualismo em Florença.
O
sofrimento agiganta quem é grande.
Garrincha,
porque sofreu, foi mais amado do que Pelé. Garrincha era torto, era o drible;
Pelé era reto, era o gol. As pessoas admiravam Pelé e adoravam Garrincha. E é
assim: o futebol é o esporte mais apaixonante do mundo porque faz sofrer.
A
dor. O que pode ser mais humano do que a dor?
Aí está!
Achei! É só o que falta a Casadevall. Um pouco de dor. Nada pode ser mais
comovedor do que a tristeza serena de uma bela mulher. Uma gota de tristeza no
olhar negro de Casadevall e o Brasil rastejará abaixo de seus tornozelos
macios. Sofra, Casadevall. Sofra.