18
de maio de 2015 | N° 18166
MARCELO
CARNEIRO DA CUNHA
HARLEY, AND DAVIDSON
Os
americanos são ótimos na construção de mitos, e Hollywood vive disso,
especialmente se o mito colabora para a manutenção do status quo, que lá é quo
pra caramba. Scarface, nos anos 30, não apenas inventou o filme de gângster,
mas inventou o gângster, se a lenda estiver correta. Após o longa, gângster que
era gângster passou a se comportar como George Raft.
Sons
of Anarchy é um filme de gângster na forma de seriado, e já em sétima (e
última) temporada, cinco delas encontráveis na Netflix. Na verdade, Sons of
Anarchy une dois gêneros clássicos da narrativa americana – o filme de gângster
e o road movie, na subcategoria motocicletas.
Os
americanos desenvolveram a tese de que a liberdade pode ser encontrada na forma
de uma Harley-Davidson correndo por alguma autoestrada na direção de um eterno
pôr do sol, coisa que os road movies tomaram emprestado de outro gênero
americano, o western. Sons of Anarchy conta a história de uma gangue de
motociclistas no norte da Califórnia que adotou uma cidade como sua, e vai
ocupá-la e defendê-la. Qualquer semelhança com um Forte Apache é, claro, mera
coincidência.
Os
dramas se sucedem, mas centrados na figura de Jackson, o jovem bonitão que
começa a ter crises de consciência, ao perceber, um tanto tardiamente, que uma
gangue de motociclistas que contrabandeiam armas talvez não seja um ambiente
propício ao idealismo.
De
certa forma, Sons of Anarchy reflete o desconforto americano com um sistema que
alardeia seu amor pela liberdade, enquanto defende de maneira irracional o uso
de armas como instrumentos dessa liberdade. Jackson sente dúvidas quanto à
pureza de princípios de sua gangue, o que não o impede de se comportar com um
gângster de manual, sempre que a situação ou uma gangue rival o exigirem.
Gângsteres
que precisam de justificativa para seus crimes não deixam de ser uma
contradição em termos. Gângsteres normalmente se justificam pela força. Os
americanos não deixam de fazer isso em suas narrativas, justificar o uso da
força por algum motivo nobre. Talvez porque sejam todos como Jackson,
desconfortáveis com a realidade de um sistema baseado na força, que pode,
eventualmente, ser usada para fins bons ou maus.
Sons
of Anarchy é uma série e uma metáfora, e, por qualquer dos motivos, pode e
merece ser vista. Fica a dica.