10 de maio de 2015 | N°
18158
MARTHA MEDEIROS
A desagradável tarefa de fazer-se
odiar
Pais de família estão cada vez mais participativos,
atuantes, necessários, afetivos, fundamentais na criação dos filhos, ao
contrário do que acontecia nas gerações anteriores, quando o pai era uma figura
cerimoniosa, o provedor que detinha a última palavra nas questões graves e
terceirizava o resto. Hoje não. Hoje os pais deitam, rolam, se embolam, se
envolvem nas pequenezas cotidianas, são quase mães.
Quase. Porque tem uma coisa que a
maioria deles ainda não consegue assumir: a desagradável tarefa de fazer-se
odiar.
Li essa frase num livro (em outro
contexto) e achei que fechava perfeitamente com a maternidade. O que é ser mãe,
senão tomar para si o papel de chata da família?
As cobranças do dia a dia são
especialidade nossa: o que comeu, o que vestiu, se tomou banho, a toalha no
chão, os garranchos, o blusão amarfanhado, a luz que ficou acesa, liga pra tua
vó, o estado deplorável do tênis, a hora em que foi dormir, segura direito esse
talher, deixa de preguiça, cuidado ao atravessar, não dorme de cabelo molhado,
larga esse computador, menos palavrão, hora de acordar, a consulta no dentista,
e esse amigo mal encarado, e esse decote provocante, convida os teus primos,
não tranca a porta à chave, fecha a janela, abre a janela, não corre pela casa,
me avisa assim que chegar, tu anda bebendo?
Não que o pai seja relapso, mas,
se ele ainda vive com a mãe das crianças, a patrulha cotidiana possivelmente
ficará a cargo do sargento de saias. Nós, tão femininas, tão doces, tão
sensíveis, tão amorosas, não pensamos duas vezes em abrir mão desses nossos
suaves atributos caricaturais a fim de manter a casa de pé, a roda girando, a
vida funcionando, todo mundo no eixo. Se tivermos que ser antipáticas, seremos.
Se tivermos que ser repetitivas, que jeito. Controladoras? Pois é. Alguém tem
que se encarregar do trabalho sujo.
É uma generalização, eu sei, mas
amparada no senso comum. Os pais mandam, ralham, brigam, mas raramente perdem a
cabeça, quase nunca gritam e se estressam. Eles têm essa irritante capacidade
de manter a boa reputação com os filhos. Se forem obrigados a escolher um lado
durante o barraco, dirão que estão do lado da mãe, que estão de acordo com tudo
o que ela disse, mas irão piscar para o filho quando ela não estiver olhando.
Ao fim e ao cabo, mães dão conta
de todas as crianças da casa. Todas.
É o nosso papel: reger a
orquestra familiar ofertando nosso melhor, mesmo que ele seja confundido com
nosso pior. É o risco que corremos, mas não há outra maneira de educar. O
excesso de zelo pode ser estafante, mas é preciso segurar o tranco de ser
odiada um pouquinho a cada dia a fim de garantir um amor pra sempre.