segunda-feira, 18 de maio de 2015


18 de maio de 2015 | N° 18166
L. F. VERISSIMO

Inveja

Quando eu era garoto, tinha times em todo o mundo. Algumas das minhas escolhas eram lógicas: eu só podia ser Colo-Colo no Chile porque não sabia o nome de nenhum outro clube chileno. Mas por que Tottenham Hotspur em vez do mais conhecido Arsenal, na Inglaterra? E eu só tinha notícias dos meus times na escassa informação que saía nos jornais daqui sobre o futebol em outras terras.

Eu nem sabia quais eram as cores do Tottenham Hotspur, por exemplo. Eventuais fotografias do time não ajudavam: as fotos eram em preto e branco. Não importava. Era o meu time do coração, como o River Plate em Buenos Aires, o Dínamo em Kiev, o Racing – hoje Paris Saint-Germain – na França, o Inter na Itália... Mesmo eu sabendo quase nada a seu respeito.

Pensei nisso enquanto assistia ao Juventus x Real Madrid na TV. Um jogo que, antigamente, eu só veria na imaginação e cujo resultado só saberia dois ou três dias depois. Hoje temos acesso instantâneo e completo aos campeonatos europeus e às copas internacionais, sabemos tudo sobre jogadores e técnicos – e nos perguntamos (ou pelo menos eu me pergunto) se isso nos faz mal ou bem.

Pois, junto com o imenso prazer de ver futebol bem jogado, vem a impressão de estarmos sendo corroídos pelo feio sentimento da inveja. Esqueça os grandes jogadores e as grandes jogadas – só a visão daqueles gramados já nos humilha e nos corrompe a alma. A inveja começa antes de começar o jogo.

Duas observações sobre Juventus x Real Madrid: o Pirlo está com a máscara trágica de um velho guerreiro que só continua em pé para inspirar suas tropas. E podem ficar com todos os outros jogadores cantados e laureados do Real Madrid, inclusive o Cristiano Ronaldo. Eu só quero o Toni Kroos e o Bale no meu time imaginário.


Uma modesta proposta para salvar o nosso futebol: por que não dar aos clubes a mesma isenção de impostos dada às igrejas? Futebol é uma religião no Brasil. Ele nos empolga ou nos consola e muitas vezes dá sentido às nossas vidas, como a religião. Qualquer igreja, mesmo as que exploram abertamente seus fiéis ou beiram o curandeirismo, tem isenção. Aliás, igrejas e partidos políticos, que recebem subvenções pelo simples fato de existirem, são dois dos melhores negócios no Brasil, hoje. Por que o futebol não pode ter os mesmos benefícios de igrejas e partidos políticos? Ajudaria a acabar com a inveja.