31
de maio de 2015 | N° 18179
MARTHA
MEDEIROS
Viciados em companhia
Sozinho
é uma coisa, solitário é outra. Sozinho é com, solitário é sem.
Não
confio no amor de quem não consegue ficar sozinho.
Nunca
foi ao cinema sozinho, nunca viajou sozinho, perambula pela rua feito um cão
que se perdeu do dono. Sentar na lanchonete de uma livraria para tomar um
cafezinho assemelha-se a uma catástrofe. Sua solidão lhe parece vergonhosa e
indigesta, é evitada com o mesmo afinco com que evitaria a morte.
Para
ele, qualquer parceria é melhor que nenhuma. Uma conversa enfadonha é melhor
que o silêncio. Um chato é melhor que ninguém. É praticamente um viciado em
companhia. E, como todo viciado, critério não é o seu forte.
Não
confio no amor de quem não se suporta.
De
quem telefona a fim de papo furado, de quem envia mensagens só para ouvir o
sinal da chegada da resposta, de quem precisa se iludir de que não está só. Quem
de nós não está só?
Uma
manhã de frente para o mar, uma tarde com um livro, uma noite com um filme, três
dias inteiros numa cidade estranha, uma rua que nunca foi atravessada, um museu
com tempo livre à vontade, uma cama vazia – para ele, simulacros do inferno.
Não
confio no amor de quem não se entretém. De quem se desespera em frente ao
espelho, de quem não consegue se maravilhar num jardim, de quem não viaja ao
ouvir uma música, de quem não gosta de andar de ônibus enquanto aprecia a
paisagem pela janela, de quem não se sente inteiro num trem.
Sozinho
é uma coisa, solitário é outra. Sozinho é com, solitário é sem.
Eu
sozinha sou muitas. Sozinha, tem mais sabor minha comida, tem mais foco o meu
olhar, tem mais profundezas o meu ser. Sozinha tem mais espaço minha liberdade,
tem mais imaginação a minha fantasia, tem mais beleza a minha individualidade. Sozinha
tem mais força o meu pensamento, mais inteireza a minha vontade. Não confio no
amor de quem negocia sua autenticidade.
Como
amar de verdade outro alguém, se não sabe de onde esse amor vem? Onde foi
gerado, por que é necessário, que atributos ele contém? Amar é doar, não vem do
doer. Amar é saber que aquele que a gente ama, se faltar, vai deixar saudade,
mas não nos transformará num cadáver a vagar. Não confio em quem ama para ser
um par, não confio em quem quer apenas se enquadrar, não confio em quem ama por
não se tolerar.
Amar
tem que ser extraordinário. Além do que já se tem.
Se
sozinho você não se tem, amar vira tubo de oxigênio, ânsia, invenção e enredo
barato, perde a dignidade, o amor vira muleta e trucagem. Confio no amor de
quem não precisa amar por sobrevivência, de quem se basta e mesmo assim é impelido
a se dar, porque dar-se é excelência, não é mendicância.
Não
confio no amor de quem não se ama em primeira instância.