sexta-feira, 29 de maio de 2015


29 de maio de 2015 | N° 18177
MARCOS PIANGERS

O que ninguém conta

É fácil se emocionar com a relação entre pais e filhos. Crianças são fofas, engraçadas, inteligentes. Pais se identificam com momentos especiais, como o nascimento, os primeiros passos, os dentes nascendo. São momentos bobos, mas emocionantes. Curto todas as fotos de crianças nas redes sociais, indiscriminadamente. Acho a coisa mais bonita do mundo. Mas sei que existe um lado que ninguém mostra: os momentos difíceis da paternidade. E são vários.

Por mais que você tenha lido alguns livros e acompanhado os amigos que têm filhos nas redes sociais, nada prepara você para a primeira noite sozinho com seu filho. Aquela minipessoa irá chorar, e fazer xixi e cocô, e não irá dormir, e ninguém nunca colocou isso no Instagram. Você vai achar que acontece só com você. Que você é um péssimo pai. Depois, os filhos vão crescendo e, de novo, irão aparecer momentos complicados.

Tentar colocar as crianças no banho. Tentar fazê-las escovar os dentes. Tentar fazê-las andar mais rápido quando você está com pressa. Tentar fazê-las dormir. E o pior de todos: tentar fazê-las comer.

Tentamos de tudo. Arroz colorido, legumes disfarçados, promessas de que vai ficar forte. “Come só esse pouquinho”, imploramos. Pra cada colherada, a criança quer passear, caminhar enquanto mastiga. Volta depois de 15 minutos pra mais uma colherada. A comida está fria. Vinte segundos no micro-ondas. Só mais uma colherinha! O almoço dura horas, às vezes dias. Ficamos velhos tentando fazer uma criança comer.

Apelamos para a televisão. Enquanto está hipnotizada pela Peppa Pig, vamos enchendo colheres de comida e lentamente colocando-as perto da boca da criança. Ela abre, instintivamente. Começa a mastigar a comida lentamente. Eventualmente, percebe que está mastigando a comida, faz cara de nojo e devolve o conteúdo no prato. Alguns pais (prepare o estômago) comem o resto dos filhos, inclusive essas colheradas mastigadas.


Ninguém conta essas histórias dramáticas. Ninguém posta vídeos desses momentos no YouTube. As redes sociais mostram apenas sorrisos e soninhos. Fotos lindas que eu curtirei indiscriminadamente, enquanto tento alimentar as minhas crianças.