segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014


24 de fevereiro de 2014 | N° 17714
LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL

Stuart Hall

A recente morte de Stuart Hall é motivo de reflexão sobre o legado deste jamaicano-britânico que brilhou na cena acadêmica por conta de seu pensamento humanístico e renovador, isto num momento em que a inteligência mundial contaminava-se pelos estruturalismos, formalismos e adjacências, procedimentos analíticos quase sempre endogênicos.

Pensar em Hall é pensar nos Estudos Culturais, uma “pós-disciplina” de que ele, se não foi o criador individual, foi seu maior vulto e arauto. É curioso constatar que, de ativa participação na revista Marxism Today (de forte crítica ao tatcherismo), responsável pela aglutinação das mais variadas tendências, Hall transita para uma posição que, ainda arraigadamente de esquerda, é capaz de sintonizar com seu tempo e dialogar com ele; com isso, passou pelo grave risco de substituir suas ideias por um relativismo estéril; mas não se deixou sucumbir, como tantos.

Ao instituir os Estudos Culturais como sua melhor forma de expressão, agiu no entendimento de que qualquer fenômeno – e não apenas a literatura, como muitos pensam – deve ser entendido em suas dimensões históricas, sociológicas, políticas, antropológicas; enfim, em sua integral transversalidade e transdisciplinaridade com o mundo.

As experiências pessoais de Stuart Hall vincaram profundamente sua conduta intelectual. Saído de uma Jamaica ainda pertencente ao Império, sua relação com o Reino Unido foi de desconfiança e de fascínio; até o final de sua vida não se considerava um britânico por completo. Pois foi justamente essa estranheza que o fez um dos grandes pensadores da igualdade racial, a que unia a luta pela integração das minorias e a repulsa a qualquer preconceito.

Denunciador da globalização neoliberal, seus últimos tempos foram de militância contra a “suave assimilação” e aceitação passiva das desigualdades entre o Norte e o Sul, entre o Primeiro e o Terceiro Mundo. Ele, um homem entre esses mundos, considerava-se legitimado a trazer tal debate.


Não se considerava um teórico, porque, conforme confessou em entrevista a Heloisa Buarque de Hollanda, não tinha “cabeça” para isso; mas a explicação é um pouco mais sofisticada: ele logo entendeu que seu campo passava por uma práxis travestida em conferências, entrevistas, artigos e ensaios; tanto assim que não se dedicava a escrever livros: os que existem são em geral compilações de suas reflexões ad hoc. Quem tiver vontade de ler algo dele, leia Identidades Culturais na Pós-Modernidade. Ajuda-nos a entender nosso tempo.