quinta-feira, 21 de outubro de 2021


21 DE OUTUBRO DE 2021
OPINIÃO DA RBS

AMPARO COM RESPONSABILIDADE

É inquestionável a necessidade de o país contar com um programa de transferência de renda robusto e consistente diante de uma realidade que junta alto desemprego, aumento da miséria, inflação elevada e dúvidas cada vez maiores sobre a consistência da retomada da economia. Esta imprescindibilidade, no entanto, não deveria ser feita à custa da demolição definitiva do teto de gastos, instrumento criado em 2016 que limita o aumento das despesas do governo federal à inflação e que, logo após ser criado, ajudou o Brasil a ter juros mais módicos, a acomodar o câmbio e ter menor elevação de preços devido ao horizonte de credibilidade fiscal.

A intenção demonstrada pelo presidente Jair Bolsonaro e pela ala política do Planalto de estabelecer um valor de R$ 400 para o chamado Auxílio Brasil, em substituição ao Bolsa Família, exigiria R$ 100 fora do teto. Um valor acima do limite estimado em R$ 30 bilhões ao ano, com a responsabilidade orçamentária mandada de vez às favas em nome de interesses, ao que tudo indica, majoritariamente eleitoreiros, em uma tentativa do Planalto de reverter a queda da popularidade de Bolsonaro, a um ano da eleição de 2022. Ações populistas podem até ter efeitos imediatos que agradem à população beneficiada, mas no médio e longo prazos a conta aparece, na forma de mais deterioração econômica e social.

A reação do mercado financeiro à informação na terça-feira foi imediata e implacável, com queda significativa da bolsa de valores e alta consistente do dólar e dos juros futuros, acelerando um movimento observado nos últimos meses por temores semelhantes. Ao acenar com o abandono do mecanismo que funciona como âncora para a trajetória dos gastos públicos, o governo e seus aliados no parlamento sinalizam com o aumento da dívida pública e mais déficit. Ao fim, os reflexos ruinosos voltam a se abater sobre os brasileiros, atingindo especialmente os mais humildes, na forma de desvalorização do real, persistência da inflação, custo mais caro do crédito e menor crescimento econômico. A fatura acaba ficando com o próprio povo.

Tempo não foi a dificuldade para o governo desenhar o seu programa de auxílio permanente. Talvez tenha faltado competência e, sobretudo, disposição para encontrar espaço fiscal se opondo a outras despesas questionáveis, como a farra das emendas parlamentares. A péssima repercussão sobre o plano do governo levou ao adiamento do anúncio previsto para o final da tarde de terça-feira. Ontem o ministro da Cidadania, João Roma, confirmou as linhas gerais da iniciativa, mas sem detalhar o financiamento da parcela que deve valer até o fim de 2022. O ministro da Economia, Paulo Guedes, parece lamentavelmente ter se rendido. Ontem, pediu uma espécie de licença para furar o teto ou antecipar a revisão do mecanismo.

Esperava-se que ainda fosse possível achar uma solução que respeitasse a regra constitucional e assegurasse o amparo a milhões de brasileiros submetidos a dificuldades de acesso a condições mínimas de sobrevivência digna. A capitulação de Guedes indica que as tentações populistas foram mais fortes.

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