sábado, 23 de outubro de 2021


23 DE OUTUBRO DE 2021
OPINIÃO DA RBS

POPULISMO E INTERESSES ELEITOREIROS

Se ainda havia alguma dúvida, não há mais. As forças que comandam o país em Brasília têm apenas uma motivação. Lamentavelmente, não é a construção de um projeto de nação próspera e moderna. O grande impulso do governo federal e de seus aliados do centrão, na Câmara e na Esplanada dos Ministérios, é a própria sobrevivência eleitoral e a busca obstinada por evitar os riscos de não terem mais, a partir de 2023, a proteção dos cargos que ocupam. Em nome de interesses particulares de um pequeno grupo, no entanto, arrisca-se jogar o Brasil em uma espiral nefasta de deterioração fiscal e desconfiança crescente que levará à manutenção de inflação elevada, juros altos e economia claudicante. O que é feito alegadamente para proteger as camadas mais baixas terá, como efeito colateral, danos que afetam principalmente esse mesmo estrato da sociedade, mas são pagos por todos os brasileiros.

O Palácio do Planalto e apoiadores no parlamento justificam as artimanhas para driblar o teto de gastos e os preceitos da responsabilidade fiscal com a premência de criar um programa de transferência de renda robusto para socorrer dezenas de milhões de pessoas afetadas pelo desemprego persistente, pela escalada dos preços e o aumento da miséria. Sem dúvida, existe essa necessidade, ainda mais devido ao fim próximo do auxílio emergencial, neste mês. Ocorre que há mais de um ano o governo fala sobre a criação do chamado Auxílio Brasil, mas por inépcia e desarticulação política não consegue encontrar uma fonte de custeio para a iniciativa. Agora, agarra-se à urgência do calendário para detonar o mecanismo que era a garantia de que não haveria descontrole fiscal.

Melhor fariam o governo e seus aliados se cortassem ou diminuíssem gastos não prioritários neste momento de escassez de recursos, como as fartas emendas parlamentares ou o fundo eleitoral. Ou então se tivessem entregue as privatizações eternamente prometidas, assegurando receitas extras. Ou, ainda, se mostrassem empenho em levar adiante versões consistentes das reformas administrativa e tributária, racionalizando despesas e garantindo maior competitividade à economia brasileira. A característica do governo, no entanto, é de fugir de decisões difíceis, ainda mais se significar indispor-se com a base de sustentação e existir risco de perda ainda maior de popularidade.

A mudança na fórmula para calcular o teto de gastos, incorporada na PEC dos precatórios, para limitar o pagamento de dívidas judiciais, é apenas uma gambiarra para justificar a implosão da principal âncora fiscal do país. Ao fim, calcula-se que os dois artifícios abrirão R$ 83 bilhões de espaço no orçamento. Parte pode ser capturada para uma turbinada adicional nas emendas parlamentares, o que fragiliza ainda mais a explicação de que a "licença", como disse candidamente o ministro Paulo Guedes, seria para amparar os mais pobres. Há ainda a promessa de Bolsonaro de socorrer caminhoneiros com uma bolsa de R$ 400, sem especificar de onde sairiam os recursos.

Somados, são episódios que escancaram o fim da ilusão de um governo liberal. Recorreu-se ao velho populismo movido por interesses eleitoreiros. Os reflexos imediatos apareceram no estresse do mercado financeiro, além da debandada de quatro secretários do Ministério da Economia, contrariados com o abandono da austeridade. Ficou claro que, na queda de braço interna, venceram o centrão e a ala política. Fórmulas que sempre deram errado tendem a seguir produzindo desastres. E a conta, como mostra a História, será apresentada à população.

 

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