quarta-feira, 20 de outubro de 2021


20 DE OUTUBRO DE 2021
DAVID COIMBRA

Lalalalalá Brizola

Fiquei com a musiquinha do Brizola grudada no cérebro, em 1989. Era horrível. Sonhava com aquilo. Lalalalalá Brizola. Ao acordar, a primeira coisa que me vinha à cabeça era: Lalalalalá Brizola. Depois, o dia inteiro era de Lalalalalá Brizola. Passei dias assim, talvez semanas. Pensei que fosse enlouquecer.

Lembrava de Robert Schumann, o compositor alemão que, este sim, enlouqueceu. Ele ficou com uma nota musical colada ao cérebro. Era o lá. Ele ficava o tempo inteiro pensando no lá. Depois de dois anos com o lá reboando entre as orelhas, foi internado num hospício e morreu.

Oh, Cristo! O meu caso era mais grave, porque não se tratava de um único lá, mas de cinco: Lalalalalá Brizola. E olha que a musiquinha do Brizola nem era a melhor daquela eleição. As do Lula e do Collor ganhavam. Vai ver foi por isso que eles passaram para o segundo turno.

A do Collor vinha num crescendo: "Collor, Collor, Cooooollooor, colorir a gente quer de novo". A do Lula tinha uma forte mensagem psicológica. Dizia: "Sem medo de ser feliz, Lula lá!" Porque a maioria das pessoas tem medo de ser feliz. Elas não ousam em suas vidas, elas não arriscam, elas se conformam com a mediocridade por temer a derrota. Então, a musiquinha do Lula espetava diretamente no subconsciente do eleitor. Sugeria que Lula era a opção arrojada e que não votar nele significava covardia.

Excelentes músicas. Mas a do Brizola, por seu despojamento, capturou meu cérebro por dias ou semanas, que nem o Schumann. Que inferno.

A eleição de 1989 foi mesmo a maior da história do Brasil. Não só pela qualidade dos candidatos e de suas musiquinhas de campanha, que, de fato, eram superiores, mas também pela esperança que derramávamos sobre ela. Tínhamos certeza de que, com Constituição nova e votando para presidente, tudo mudaria para melhor no Brasil.

Nós vínhamos de decepções. Em 84 houve a maior manifestação popular do país, até então, pelas Diretas Já, mas, no dia da votação do projeto que permitiria as eleições, o governo militar mandou os soldados cercarem o Congresso e o clima ficou tenso. Resultado: perdemos.

Tudo bem, buscamos compensação na ideia de que, com articulações políticas, conseguiríamos eleger de maneira indireta o primeiro presidente civil desde 1964. Tancredo seria a salvação. Só que ele adoeceu na véspera da posse, morreu em 21 de abril, como Tiradentes, e em seu lugar entrou o antigo presidente do partido da ditadura, Sarney. Era muito azar.

Em 89 finalmente houve eleições para presidente. Os debates eram esperados como finais de campeonato. Comprávamos cerveja e fazíamos churrasco para assisti-los juntos, cada um torcendo por seu candidato. O meu era Brizola, e talvez por isso não conseguisse esquecer a maldita musiquinha dele. Lalalalalá Brizola da manhã à noite, sem cessar, e o Brizola não foi para o segundo turno. Se tivesse ido, provavelmente venceria o Collor e seria presidente. E tudo seria diferente no Brasil. Ou não? Estou inclinado a achar que não. Direi por que amanhã.

DAVID COIMBRA

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