02 de Novembro de 2024
MARCELO RECH
A esquerda democrática é aquela que respeita as regras do jogo. Ela se assenta na defesa de uma sociedade, pelo menos em tese, não tão desigual, com mais intervenção do Estado sobre a economia e mais tutela sobre a sociedade. Ainda que coalhada por conceitos ultrapassados, essa esquerda é importante para o contraponto de ideias e para a pluralidade eleitoral e parlamentar.
Só que a esquerda está minguando. Na definição do ministro Alexandre Padilha, o PT segue na zona de rebaixamento municipal, confirmada pelos resultados raquíticos das eleições passadas diante do crescimento do centro e da direita. A esquerda brasileira raiz, congelada em uma era em em que ninguém se declarava de direita, vive uma crise de identidade: sustenta a narrativa de representante das "forças populares", mas tem escassez de povo. Para estupefação de quem se imaginava porta-voz das periferias, essa população desassistida passou a ver a esquerda mais como uma defensora de privilégios estatais e de setores de servidores públicos, com salário garantido no fim do mês, do que daqueles que mais precisam de segurança e renda.
Milhões de deserdados que fariam a revolução e a luta de classes querem é ascender de classe e, se possível, serem eles próprios os patrões. Com algumas décadas de atraso, a ficha também caiu para o presidente Lula, que admitiu que nem todo jovem sonha mais com uma carteira de trabalho, como no seu tempo de sindicato.
Já a esquerda mais antiquada ainda desdenha dos evangélicos, trata a família tradicional como um "valor burguês", negligencia o tormento da criminalidade e tenta aprisionar em regulações e mais impostos milhões de brasileiros que passaram a trabalhar por conta própria. Depois, não compreende por que perde as eleições.
O ministro da Economia, Fernando Haddad, um esquerdista moderado (e por isso sabotado pela esquerda do próprio partido), diz que a esquerda "não tem sonho" e que "palhaços da extrema direita ocuparam o picadeiro". Não deixa de ter alguma razão, mas foram paladinos da esquerda, ao exagerarem na pauta identitária e se tornarem fiscais da vida alheia, que ajudaram a empurrar as massas para os braços de lunáticos.
E o sonho? A esquerda começaria a deixar de sofrer tantas derrotas se acordasse para um princípio básico do nosso tempo. Numa sociedade em que cada cidadão passou a encontrar facilmente outros que pensam como ele, cada indivíduo tem a chance de sonhar o seu sonho, sem imposição de um partido ou governo. Mas talvez nem em sonho a esquerda conseguirá entender isso, nem quanto o Brasil e o mundo mudaram. _
Sem povo, sem voto e sem sonho
Nenhum comentário:
Postar um comentário