sábado, 2 de novembro de 2024


02 de Novembro de 2024
COM A PALAVRA - Marco Moraes

COM A PALAVRA

Geólogo pela Universidade Federal da Bahia, com Ph.D. pela Universidade de Wyoming, e autor do livro "Planeta hostil: como as ações humanas estão mudando a Terra e fazendo dela um lugar imprevisível e perigoso"

"As coisas vão ficar piores, mas podem ser revertidas em grande parte"

O geólogo gaúcho Marco Moraes analisa a degradação ambiental do planeta no seu livro Planeta hostil: como as ações humanas estão mudando a Terra e fazendo dela um lugar imprevisível e perigoso (Matrix, 2024). A Zero Hora, ele listou outros problemas graves.

No livro, você afirma que o cenário é muito pior do que imaginamos. Por quê?

As mudanças climáticas preocupam todo mundo, com toda razão, porque estão acontecendo à nossa volta. Mas há muito mais coisas acontecendo, algumas óbvias, mas outras bem mais silenciosas ou sutis. Por exemplo, a crise da biodiversidade, a gente vê uma parte, mas não tudo, não vê o que está acontecendo nos oceanos e com os pequenos seres. A destruição dos ecossistemas marinhos e terrestres, em que há uma composição do aquecimento global com a ação humana. 

Estamos perdendo cerca de 24 bilhões de toneladas de solo todos os anos, devido à ação humana, mas também ao ressecamento do ar e à perda da vegetação. O degelo, a subida do nível do mar, que está afetando áreas litorâneas. A poluição química e plástica. A poluição do ar, por exemplo, mata 9 milhões de pessoas por ano no mundo. São 450 vezes mais do que o número que morre por eventos climáticos. Não podemos focar em uma coisa só, porque estamos sendo afetados pelo todo.

? Algumas pessoas alegam que o aquecimento global é falso, porque há ondas violentas de frio sendo registradas. Alguns alegam ainda que o que vivenciamos hoje é um ciclo natural do planeta, que intercala períodos muito quentes e frios, mas, no livro, você desmascara essa alegação. Qual é o papel do ser humano nas transformações da Terra?

Hoje está muito claro que o rápido aquecimento que está sendo observado se deve à injeção de gases, principalmente de efeito estufa, pelos humanos. Os outros ciclos, naturais, são de uma ordem de magnitude menor, abaixo do efeito da injeção desses gases. Não é um ciclo natural, está sendo muito rápido, e as mudanças climáticas são uma consequência previsível do aquecimento. Porque, se aumenta a quantidade de umidade do ar, aumentam os contrastes de temperatura, e coisas como as frentes frias mais intensas, porém mais curtas, como temos observado, são exatamente consequência do aquecimento.

Quais são as consequências das mudanças climáticas? Quais já conseguimos ver no Brasil hoje?

No Brasil, 2024 está sendo referência em termos de tragédias climáticas. Os principais eventos são tempestades e chuvas mais intensas, que nós vimos no Sul, ondas de calor e, consequentemente, secas e queimadas, que também são algo muito preocupante. A tendência é que os eventos que historicamente ocorriam vão continuar ocorrendo, mas de forma mais intensa. E que períodos de chuva, tempestade e ondas de frio sejam mais intensos, porém mais curtos, entremeados por longos períodos de estiagem.

O RS viveu uma enchente catastrófica em setembro do ano passado, e outra, mais abrangente ainda, pouco mais de meio ano depois. Isso vai tornar a acontecer em breve e com frequência?

Os anos não vão ser iguais, o cenário não vai ser progressivo. O RS teve a maior tragédia de chuvas em 2024, não quer dizer que 2025 vai ser igual ou mesmo 2026, porque devemos estar em anos de La Niña, e agora apareceu uma La Niña no Atlântico. Mas, como um todo, as coisas tendem a piorar, porque os gases de efeito estufa vão ficar na atmosfera por centenas de anos, e nós continuamos injetando esses gases. As previsões são de que até 2050, que tem sido um ano de referência para o zero carbono, vamos continuar consumindo petróleo e, consequentemente, emitindo a mesma quantidade de gases.

Podemos vir a enfrentar a extinção?

Podemos sofrer extinção. Se continuarmos injetando gás de efeito estufa na quantidade que estamos injetando, um planeta aquecido a três, quatro graus centígrados vai ser inóspito, vai ter grandes áreas, principalmente nos trópicos, onde o Brasil está incluído, que vão ser inviáveis para a vida humana. Simplesmente as pessoas morreriam de calor se ficassem morando nesses lugares. Então, estamos com uma perspectiva muito ruim de tornar grandes áreas do planeta inviáveis se nós não mudarmos o rumo. Mas o que eu espero é que a gente comece a agir de maneira mais efetiva para mudar esse quadro. A resposta, o que fazer, é muito simples: deixar de fazer o que está fazendo errado.

? Você afirma que a transformação da Terra é inevitável. Ainda há tempo de mudar?

A transformação já é inevitável, porque tem coisas que não vamos poder retornar, pelo menos no curto prazo. Uma delas é o aquecimento. Em um horizonte de cem anos, o planeta já está e vai se transformar e ficar mais hostil. Mas o que temos de fazer é trabalhar duro para que não fique muito pior. A minha expectativa é que lá no final do século 21 a gente veja o planeta sendo já bastante regenerado. 

Então, as coisas vão ficar piores, temos de nos preparar para isso, mas elas podem ser revertidas em grande parte, e podemos ter um planeta muito mais saudável, agradável e muito menos hostil para a vida humana. Podemos construir isso ao longo deste século, é responsabilidade de todos nós. Enquanto você estiver vivo, você tem de lutar por um planeta melhor. Acho que não existe nenhuma missão mais nobre do que essa para todos nós. _

Fernanda Polo

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