12
de abril de 2015 | N° 18130
L.
F. VERISSIMO
A visita do
marajá
O
nosso quintal é bem frequentado por pássaros. Alguns vistosos e certamente
famosos, que ornitoleigos como eu não saberiam identificar pela plumagem e o
porte. Muitos sabiás – os únicos que eu conheço o nome – em constante
atividade, catando material e comida para os seus ninhos. Pelo seu número e
movimento, desconfiamos de que existe um condomínio de sabiás por aqui, e que o
nosso quintal é o centro comercial mais próximo. Mas a maioria é do gênero
“passarinho comum”, pequeno e sem graça, da cor, assim, de passarinho. É o
povão.
Certa
tarde, houve um pequeno alvoroço doméstico. Aparecera um pássaro estranho,
nunca visto antes, pousado na pereira. Entre o médio e o grande, com uma longa
cauda bifurcada, cinzenta com círculos brancos, e um ar de nobreza enfarada.
Ficamos admirando-o, falando baixo para não espantá-lo, e ninguém da casa sabia
o que era. Tive que ir ganhar a vida e não pude assistir a sua partida, mas me
contaram que ele decolou com a mesma empáfia com que examinara o quintal e suas
circunstâncias durante sua breve estada conosco, claramente insatisfeito. O
cenário não estava à sua altura.
A
velha pereira ainda dá pera, mas com um grande esforço, e só para não sucumbir
à amargura comum aos aposentados sem ocupação. Os outros pássaros mantiveram
uma distância reverencial do visitante. Conheciam o seu lugar. Era óbvio que
ele pousara no lugar errado.
Fiquei
pensando em como o maravilhoso pode nos pegar desprevenidos. Era como se um
marajá e seu séquito tivessem batido na nossa porta e só o que tínhamos para
lhes oferecer era, sei lá, Coca Zero. Perdemos uma oportunidade, não sei bem de
quê. Podíamos ao menos tê-lo fotografado, nem que fosse para uma hipotética
futura biografia da pereira, em cuja longa vida o único acontecimento notável
até então tinha sido a orquídea misteriosa que lhe nasceu espontaneamente numa
forquilha. Agora é tarde. Duvido que o visitante volte. Nós o decepcionamos.
Não estávamos preparados para ele.
DISPENSÁVEL
(Da
série “Poesia numa hora dessas?!”)
Andávamos
na areia de mãos dadas
fazendo
o possível para ignorar
o
pôr de sol de sete tons,
o
arco-íris, a lua cheia e o mar,
tudo
como num mau pastiche...
Nosso
amor dispensava
o
kitsch.